Gravações de câmeras corporais de policiais militares, obtidas com exclusividade pelo portal G1 e pela TV Globo, revelam que um policial militar chegou a afirmar que o motorista do Porsche, Fernando Sastre de Andrade Filho, estava sob efeito de álcool quando questionado por um bombeiro.
Estavam um pouco etilizados esses caras, né? declarou o bombeiro.
Sim, Sim confirmou o PM.
Na mesma gravação, a policial que interrogou Fernando chegou a indagar a um colega se ele possuía um etilômetro para realizar o teste do bafômetro. O colega respondeu que não.
Conforme regulamento, nem todas as viaturas são obrigadas a sair equipadas com bafômetro, também conhecido como etilômetro. No entanto, em tais situações, é comum solicitar o equipamento a outra equipe.
Em comunicado, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo afirmou que os policiais cometeram um erro ao não realizar o teste.
A sindicância da Polícia Militar concluiu, a partir da análise das imagens de câmeras corporais, que houve falhas de procedimento dos policiais que atenderam a ocorrência, por não seguirem a determinação da PM e não submeter o motorista ao teste de alcoolemia.
Ainda mencionou que “foi aberto um procedimento para a responsabilização dos policiais. Vale destacar que, enquanto aguardam o etilômetro, é dever dos policiais preservarem o local e os suspeitos, além de acionar o serviço de saúde. Atualmente, o Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran) conta com 150 etilômetros para o uso nas atividades de patrulhamento”.
Mãe deu bronca no filho
Daniela Cristina de Medeiros Andrade, mãe do motorista do Porsche envolvido em um acidente que resultou em uma vítima fatal e um ferido, repreendeu seu filho para que deixassem o local do ocorrido. Além disso, ela respondeu a perguntas feitas diretamente ao filho.
Vamos, Fernando! declarou ela, com irritação, ao filho, que havia pedido calma.
A fala direta da mulher ocorreu logo após a Polícia Militar liberar Fernando Sastre de Andrade Filho de uma abordagem de quatro minutos realizada logo após o ocorrido. O empresário não foi submetido ao teste do bafômetro.
A abordagem teve início quando uma policial feminina observou que Fernando e sua mãe estavam se afastando a pé do local da colisão.
Pega ele ali, ‘fio’… Oxe, oxe, oxe, oxe, aonde ele vai? Ô, o senhor era o condutor do carro? perguntou a PM.
A partir desse momento, a mãe começa a participar da conversa em vários momentos.
Vou levar ele pro hospital, moço afirma Daniela a um policial masculino.
Só que a gente tem que qualificar ele. Cadê sua CNH? questiona a policial.
A mãe dá uma resposta:
Já passou tudo pra ele, tá tudo com ele já.
Não pode tirar ele daqui assim. A gente tem que qualificar primeiro pra depois a senhora retirar. Vamos lá, vamos lá diz a PM.
Preciso levar ele pra fazer um raio X prossegue Daniela Cristina.
Após uma sequência de questionamentos feitos pela policial a Fernando — em alguns momentos respondidos pela mãe —, os dois são liberados com a promessa de irem ao hospital, o que não se concretizou:
Pode ir? questiona a mãe.
Pode, pode ir rebate a policial.
Calma diz Fernando enquanto é acompanhado pela mãe.
Vamos Fernando! Tsc… conclui Daniela.
Câmeras corporais dos PMs
Tanto os áudios quanto as imagens das câmeras corporais dos policiais envolvidos na ocorrência estão sob posse da Justiça.
A Polícia Civil finalizou a investigação do caso nesta quinta-feira (25) e solicitou pela terceira vez a prisão do motorista do Porsche. Ele foi indiciado por homicídio, lesão corporal e fuga do local. A mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, também foi indiciada por fuga do local do acidente, como coautora.
De acordo com Daniela, Fernando estava machucado:
Seu nariz tá sangrando comenta a mulher para o filho.
Ela foi até o local para verificar o estado do empresário depois que ele colidiu o Porsche a mais de 100 km/h contra um Sandero. O limite de velocidade na via é de 50 km/h.
Pode ir lá afirma um dos policiais militares no áudio, autorizando Fernando a acompanhar a mãe até o hospital.
PM:
A senhora vai levar ele pra qual hospital?
Daniela:
São Luiz. Pro São Luiz.
No entanto, Daniela não levou seu filho para receber atendimento médico. Assim, o motorista do Porsche partiu sem realizar o exame que poderia confirmar se ele havia consumido bebida alcoólica momentos antes da colisão, a qual foi registrada por câmeras de segurança.
Conforme divulgado pela Secretaria da Segurança Pública (SSP) à imprensa nesta semana, essa foi a falha no atendimento dos PMs na ocorrência: a de não realizarem o teste do bafômetro no motorista do Porsche.
A Polícia Militar analisou as imagens e o diálogo registrados pelas câmeras dos agentes e confirmou que eles cometeram um equívoco ao liberarem Fernando sem verificar se ele havia consumido bebida alcoólica.
O motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, que estava dirigindo o Sandero, faleceu posteriormente no hospital.
Marcus Vinicius Machado Rocha, amigo de Fernando, estava no banco do passageiro do veículo de luxo e sofreu ferimentos graves, incluindo quatro costelas fraturadas e a necessidade de remover o baço durante uma cirurgia.
A Corregedoria da PM está investigando a conduta dos dois agentes por não seguirem o protocolo de atendimento em situações de acidentes com vítimas.
A Polícia Civil está investigando as razões e quaisquer possíveis responsabilidades pela morte do motorista de aplicativo e pelos graves ferimentos sofridos pelo amigo do condutor do Porsche.
Fernando foi acusado de homicídio por dolo eventual (por ter assumido o risco de matar Ornaldo), lesão corporal (por ter causado ferimentos graves a Marcus) e por fugir do local do acidente (por não realizar o exame que poderia confirmar se ele havia consumido álcool e dirigido). Ele está respondendo em liberdade.
De acordo com testemunhas ouvidas pela investigação, Fernando havia ingerido bebida alcoólica antes de colidir com o carro de Ornaldo.
Uma comanda de um bar indicou que ele e seus amigos consumiram bebidas alcoólicas no estabelecimento. O empresário se apresentou na delegacia acompanhado de sua mãe e advogados. Durante o interrogatório, ele negou ter bebido e ter fugido.
O laudo da Polícia Técnico-Científica revelou que o Porsche transitava o a 156,4 km/h. No momento da colisão, o carro de luxo estava a 114,8 km/h quando atingiu o Sandero.
Eles passaram pela gente diz uma testemunha no vídeo das câmeras dos policiais militares que atendiam a ocorrência, referindo-se ao Porsche com Fernando e Marcus, que passou pelo veículo onde estavam e posteriormente colidiu com o Sandero de Ornaldo.
Na delegacia responsável pela investigação do caso, o 30º Distrito Policial (DP), Tatuapé, algumas testemunhas relataram ter visto Fernando apresentando sinais de embriaguez e falando de forma arrastada após o acidente.
No entanto, esses indícios de consumo de álcool não foram observados pelos policiais militares que atenderam a ocorrência e o deixaram ir.
Se fosse confirmado que o condutor do Porsche havia ingerido bebida alcoólica, ele deveria ter sido detido em flagrante por dirigir sob influência de álcool, uma conduta proibida pela legislação.
A gente tava saindo da festa. A gente ia ir pra minha casa. Jogar sinuca. Aí, do nada aconteceu um acidente horrível e… Aconteceu isso. Eu não lembro mais de nada disse Fernando ao ser indagado por um dos policiais militares sobre como foi a colisão. Ele não forneceu mais informações.
Mãe tentava ir embora com filho
Os policiais militares que permitiram a saída de Fernando anteriormente também o impediram de fugir em outra ocasião. Isso aconteceu quando avistaram o empresário e sua mãe deixando o local do acidente. Os agentes os alcançaram e os interpelaram.
Ô, ô, ô. O senhor era o condutor do carro? questiona um dos agentes.
A mãe dele sugeriu que não era necessário permanecer no local:
Já passou tudo pra ele, tá tudo com ele já comentou Daniela, indicando que um dos policiais militares havia sido informado pelo seu filho.
Apesar disso, mãe e filho foram interrogados posteriormente pelos agentes, que registraram os dados pessoais de Fernando.
PM:
Conta pra mim o que aconteceu, Fernando?
Fernando:
Eu estava com o Marcus, a gente estava voltando para casa e aí aconteceu um acidente horrível, foi isso.
A agente que conduziu o interrogatório solicitou apenas que Fernando examinasse o registro de suas informações em um dispositivo eletrônico, e em seguida ele foi liberado.
PM:
Lê o que você me disse e ver se é isso mesmo para você assinar.
Fernando:
É isso.
PM:
Tá. Você vai assinar com o seu dedo aqui, ó.
Daniela:
Pode ir agora?
PM:
Pode, pode ir lá.
Daniela:
Muito obrigada.
PM:
Nada.
Quebra de sigilo bancário
O Ministério Público (MP) solicitou nesta semana à Justiça a quebra do sigilo bancário de Fernando para determinar se ele de fato adquiriu bebidas alcoólicas em bares antes do ocorrido.
O inquérito relacionado ao caso do Porsche ainda está em andamento. Durante as investigações, o delegado Nelson Alves, encarregado de apurar os crimes mencionados, foi substituído pelo delegado Milton Burguese, anteriormente lotado no 81º DP, em Belém.
Nelson assumiu o cargo no 81º DP, enquanto Milton agora está no 30º DP.
Embora fontes da reportagem do portal G1 tenham indicado que a liderança da polícia estava descontente com a investigação liderada por Nelson, a SSP afirmou que a substituição foi uma medida administrativa.
Nesta quinta-feira (25) está agendada a reconstituição do acidente. A solicitação partiu do Ministério Público, e será conduzida por peritos do Instituto de Criminalística (PC) na avenida onde ocorreu a colisão, no Tatuapé.
Um scanner 3D a laser terrestre será usado. Além disso, drones serão utilizados para capturar imagens aéreas, as quais serão posteriormente utilizadas na elaboração de uma animação detalhada que retratará o ocorrido.
Fiança de R$ 500 mil
A Polícia Civil já solicitou duas vezes a detenção de Fernando ao Judiciário, que negou todas.
Apesar disso, determinou que ele pagasse uma fiança de R$ 500 mil (para assegurar futuros pagamentos de pedidos de indenizações à família de Ornaldo e a Marcus), além de suspender a carteira de motorista dele e obrigá-lo a entregar o passaporte na Polícia Federal (PF).
O Porsche conduzido pelo empresário possui um valor superior a R$ 1,3 milhão.
Um sentimento de injustiça gigantesco dentro de mim escreveu Luam Silva, filho do motorista por aplicativo Ornaldo, falecido no acidente.