Os vídeos das câmeras corporais dos policiais militares que responderam à ocorrência do acidente envolvendo o Porsche, que resultou em uma vítima fatal e um ferido em 31 de março em São Paulo, mostram como o motorista do veículo foi liberado pelos agentes da Polícia Militar (PM) do local do acidente sem realizar o teste do bafômetro.
A TV Globo e o portal g1 obtiveram acesso exclusivo a partes da conversa registrada pelas câmeras corporais dos policiais do Batalhão de Trânsito da PM com o empresário Fernando Sastre de Andrade Filho, que estava dirigindo o veículo, sua mãe e testemunhas do ocorrido na Avenida Salim Farah Maluf, no Tatuapé. Tanto os áudios quanto as imagens já foram encaminhados à Justiça.
No momento da colisão, o Porsche colidiu com um Sandero dirigido pelo motorista de aplicativo Ornaldo da Silva Viana, que morreu posteriormente em um hospital.
Marcus Vinicius Machado Rocha, amigo de Fernando, estava no banco do passageiro do carro de luxo e sofreu ferimentos graves. Ele fraturou quatro costelas e precisou passar por uma cirurgia para a retirada do baço.
Nesta quinta-feira (25), a Polícia Civil finalizou o inquérito do caso e solicitou, pela terceira vez, a prisão do motorista do Porsche.
Ele foi indiciado por homicídio doloso eventual (por assumir o risco de matar Ornaldo), lesão corporal grave (por ferir Marcus gravemente) e omissão de socorro (por não realizar o teste que poderia detectar o consumo de bebida alcoólica antes de dirigir). O empresário está respondendo em liberdade.
A mãe dele, Daniela Cristina de Medeiros Andrade, também foi indiciada por fugir do local do acidente, como cúmplice.
Um relatório da Polícia Técnico-Científica revelou que o Porsche transitava a 156,4 km/h. No momento do impacto, o carro de luxo estava a 114,8 km/h .
Eles passaram pela gente relata uma testemunha no vídeo das câmeras dos PMs, referindo-se ao momento em que o Porsche ultrapassou o veículo em que estavam antes de colidir com o Sandero.
De acordo com testemunhas ouvidas durante a investigação, Fernando ingeriu bebidas alcoólicas antes de colidir com o carro de Ornaldo. Uma comanda de bar evidenciou que ele e seus amigos consumiram bebidas no estabelecimento.
O empresário compareceu à delegacia acompanhado de sua mãe e advogados. Durante o interrogatório, ele negou ter bebido e fugido.
Nas imagens obtidas pelo portal g1 e pela TV Globo, é evidente que, inicialmente, os policiais militares impediram Fernando e sua mãe de deixarem o local do acidente quando os viram se afastando.
Os policiais abordaram a dupla e registraram as informações do empresário. No entanto, após serem persuadidos pela mulher de que ela levaria o filho ao hospital sozinha, liberaram o condutor.
Daniela alegou que o filho estava machucado:
Seu nariz tá sangrando afirmou ela.
A mulher foi ao local para verificar o estado do empresário após o Porsche colidir com o Sandero a mais de 100 km/h. O limite de velocidade na via é de 50 km/h.
Pode ir lá declara um dos policiais militares no áudio, autorizando Fernando a ir com sua mãe ao hospital.
PM:
A senhora vai levar ele pra qual hospital?
Daniela:
São Luiz. Pro São Luiz.
Entretanto, Daniela não acompanhou seu filho até a unidade de saúde, e o motorista partiu sem realizar o exame que poderia confirmar se ele havia consumido bebida alcoólica momentos antes da colisão, a qual foi registrada por câmeras de segurança.
A Secretaria da Segurança Pública (SSP) anunciou esta semana que os PMs cometeram um erro ao não efetuar o teste do bafômetro no motorista do Porsche. A PM analisou as imagens e as gravações das câmeras dos agentes, confirmando que eles falharam ao liberar Fernando sem verificar se ele havia consumido álcool.
A Corregedoria da PM está investigando a conduta dos dois agentes por não seguirem o protocolo de atendimento em casos de acidentes com vítimas.
A Polícia Civil está investigando as causas e possíveis responsabilidades pela morte do motorista de aplicativo e pelos graves ferimentos no amigo do motorista do Porsche.
Na delegacia responsável pela investigação do caso, o 30º Distrito Policial (DP) no Tatuapé, algumas testemunhas relataram que viram Fernando apresentando sinais de embriaguez e falando de forma arrastada após o acidente.
No entanto, esses indícios de consumo de álcool não foram observados pelos PMs que responderam à ocorrência e o deixaram ir embora.
Caso fosse confirmado que o motorista do Porsche havia ingerido bebida alcoólica, ele deveria ter sido detido em flagrante por dirigir sob influência de álcool, o que é ilegal.
A gente tava saindo da festa. A gente ia ir pra minha casa. Jogar sinuca. Aí, do nada aconteceu um acidente horrível e… Aconteceu isso. Eu não lembro mais de nada relatou Fernando ao ser questionado por um dos policiais militares sobre como ocorreu a colisão.
Ele não forneceu mais detalhes.
Mãe tentava ir embora com filho
Os mesmos policiais militares que permitiram a saída de Fernando haviam inicialmente evitado que ele fugisse. Isso aconteceu quando notaram o empresário e sua mãe deixando o local do acidente. Os agentes os seguiram e os chamaram.
Ô, ô, ô. O senhor era o condutor do carro? questionou um dos agentes.
A mãe dele havia mencionado que não era necessário permanecer no local.
Já passou tudo pra ele, tá tudo com ele já disse Daniela, mencionando um dos policiais militares que teria escutado seu filho.
No entanto, mãe e filho foram posteriormente interrogados pelos agentes, que registraram as informações pessoais de Fernando.
PM:
Conta pra mim o que aconteceu, Fernando?
Fernando:
Eu estava com o Marcus, a gente estava voltando para casa e aí aconteceu um acidente horrível, foi isso.
A agente que tomou o depoimento solicitou apenas que Fernando lesse as informações do documento em um dispositivo eletrônico, e ele foi liberado logo em seguida.
PM:
Lê o que você me disse e ver se é isso mesmo para você assinar.
Fernando:
É isso.
PM:
Tá. Você vai assinar com o seu dedo aqui, ó.
Daniela:
Pode ir agora?
PM:
Pode, pode ir lá.
Daniela:
Muito obrigada.
PM:
Nada.
Em outro trecho da gravação, é possível ver Daniela repreendendo Fernando para que deixassem o local do acidente. O momento de repreensão ocorreu logo após a liberação do empresário pela PM.
Algum tempo depois, uma policial observou que mãe e filho estavam se afastando a pé do local da colisão.
Pega ele ali, ‘fio’… Oxe, oxe, oxe, oxe, aonde ele vai? Ô, o senhor era o condutor do carro? perguntou o agente.
A partir desse instante, Daniela começou a intervir na conversa em várias ocasiões.
Daniela:
Vou levar ele pro hospital, moço.
PM:
Só que a gente tem que qualificar ele. Cadê sua CNH?
Daniela:
Já passou tudo pra ele [outro PM], tá tudo com ele já.
PM:
Não pode tirar ele daqui assim. A gente tem que qualificar primeiro pra depois a senhora retirar. Vamos lá, vamos lá.
Daniela:
Preciso levar ele pra fazer um raio X.
Após uma série de perguntas feitas pela policial a Fernando, às vezes respondidas pela mãe, ambos foram liberados com a promessa de irem ao hospital, o que não se concretizou.
Daniela:
Pode ir?
PM:
Pode, pode ir.
Fernando:
Calma.
Daniela:
Vamos, Fernando!
Pedido de quebra de sigilo bancário
O Ministério Público (MP) solicitou nesta semana à Justiça a quebra do sigilo bancário de Fernando para averiguar se ele de fato adquiriu bebidas alcoólicas em bares antes do acidente.
O inquérito do caso do Porsche ainda não foi finalizado. Durante a investigação, o delegado Nelson Alves, responsável pela apuração dos delitos mencionados, foi substituído pelo delegado Milton Burguese, anteriormente lotado no 81º DP, em Belém.
Nelson foi transferido para o 81º DP, enquanto Milton agora está no 30º DP.
Apesar de fontes da reportagem do portal G1 indicarem que a liderança da polícia estava descontente com a condução da investigação por parte de Nelson, a SSP afirmou que a substituição foi uma medida administrativa.
Nesta quinta-feira (25) está agendada a reconstituição do acidente. Atendendo a uma solicitação do Ministério Público, a reconstituição será conduzida por peritos do Instituto de Criminalística (PC) na avenida onde a colisão ocorreu, no Tatuapé.
Será empregado um scanner 3D a laser terrestre. Além disso, drones serão utilizados para capturar fotos aéreas, e em seguida, uma animação será produzida para detalhar como ocorreu a colisão.
Fiança de R$ 500 mil
A Polícia Civil solicitou à Justiça a prisão de Fernando em duas ocasiões, porém todas foram negadas.
Apesar disso, foi determinado que ele pagasse uma fiança de R$ 500 mil (para assegurar futuros pagamentos de indenizações à família de Ornaldo e a Marcus), além de ter sua carteira de motorista suspensa e ser obrigado a entregar seu passaporte na Polícia Federal (PF).
O veículo Porsche dirigido pelo empresário tem um valor superior a R$ 1,3 milhão.
Um sentimento de injustiça gigantesco dentro de mim escreveu Luam Silva em seu Instagram, filho do motorista por aplicativo Ornaldo, que morreu no acidente.