De uma rotina saudável de um jovem para a internação hospitalar. Thiago Rafael Fernandes, de 19 anos, antes conhecido por cantar em uma igreja em Itanhaém (SP), agora enfrenta a perda de movimentos e voz devido ao diagnóstico de porfiria aguda intermitente, uma condição rara que causa crises de dor intensa, frequentemente afetando o abdômen, costas e coxas.
Seu pai iniciou um processo judicial para garantir acesso ao tratamento que custa R$ 797.300,00.
[Ele] está paralisado numa cama, perdeu as cordas vocais, perdeu a força dos braços e das pernas. […] Ele fala e a voz não sai. Está totalmente debilitado lamentou Florisvaldo Tiago dos Santos, pai do jovem.
Thiago encontra-se atualmente na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do Hospital Guilherme Álvaro, em Santos (SP). Desde março, ele perdeu cerca de 30 quilos devido à progressão da doença, levando seu pai a buscar ajuda jurídica para obter acesso à medicação, não coberta pelo Sistema Único de Saúde (SUS).
Se custasse o valor da minha casa, eu a venderia e compraria o remédio para o meu filho. Mas não é só o valor da minha casa. A sensação que dá é de impotência e tristeza desabafou o pai.
Doença rara
Florisvaldo relatou que, antes do diagnóstico, seu filho levava uma vida ativa, trabalhando na montagem de brinquedos em festas e dedicando seu tempo livre à música, cantando e tocando violão e bateria na igreja. No entanto, em março, Thiago começou a sentir fortes dores abdominais.
De madrugada, a gente corria para médico. Chegava lá, [ele] tomava morfina e um monte de coisa, mas nada passava, voltava para casa da mesma forma recordou.
Segundo o pai, durante o processo até o diagnóstico da doença, os médicos recomendaram que Thiago fizesse um ultrassom, que revelou cálculos na vesícula. Ele foi então encaminhado ao Hospital Irmã Dulce, em Praia Grande (SP), onde passou por uma cirurgia para a remoção da vesícula.
Thiago foi liberado do hospital e voltou para casa, mas no mesmo dia começou a sentir dores intensas nos braços e pernas.
Não conseguia sequer segurar o celular na mão relatou Florisvaldo, que levou o filho de volta aos prontos-socorros de Itanhaém e Praia Grande em busca de ajuda médica.
O pai acrescentou que Thiago foi então internado na UTI do Hospital Irmã Dulce, onde um médico levantou a suspeita de porfiria aguda intermitente (PAI) e solicitou exames. Posteriormente, o jovem foi transferido para o Hospital Guilherme Álvaro com a confirmação do diagnóstico quando os resultados dos exames chegaram.
Justiça
Segundo o pai, os médicos do Hospital Guilherme Álvaro recomendaram o tratamento com o medicamento ‘Hemina’ para controlar as crises da doença.
Cada caixa do medicamento custa R$ 56.950,00, e são necessárias 14 caixas para o tratamento de Thiago, totalizando R$ 797.300,00. Diante disso, a família buscou assistência jurídica para solicitar o fornecimento do medicamento através da Justiça.
Nunca me imaginei numa situação dessa. Nunca tinha ouvido falar de porfiria lamentou o pai, expressando sua preocupação com a possibilidade de necessidade contínua do medicamento para o tratamento do rapaz.
Não sei até quando meu filho vai aguentar.
O advogado Bruno Tasso, representante da família, esclareceu que a situação do paciente atende aos critérios estabelecidos pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) para o fornecimento de medicamentos de alto custo, que são:
- Manifestar incapacidade financeira;
- Demonstrar que a medicação possui registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa);
- Provar que outros tratamentos não fazem efeito.
Tasso destacou que processos judiciais na área da saúde contam com o suporte dos Núcleos de Apoio Técnico do Poder Judiciário (NatJus). Ele explicou que esses núcleos consistem em “grupo de hospitais em que técnicos da área da saúde vão fazer uma manifestação sobre aquela medicação e a doença da pessoa”.
Segundo o advogado, no caso de Thiago, o grupo técnico argumentou que a medicação não foi recomendada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) para inclusão no SUS. Portanto, conforme Tasso, essa avaliação levou o tribunal a negar o pedido de fornecimento dos remédios.
Falaram que a relação custo-benefício era muito alto, ou seja, a medicação não foi incorporada porque era cara afirmou Tasso, que interpôs um recurso.
O advogado detalhou que o caso foi avaliado pela desembargadora Giselle França, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que também indeferiu a liminar com base na análise do Sistema NatJus.
Por isso, Tasso submeteu novos documentos ao tribunal na esperança de reverter a decisão.
Pedindo para que ela [desembargadora] revisse o caso, porque a situação do Thiago é muito urgente explicou o advogado, que ainda aguarda um posicionamento da Justiça Federal.
Especialista
O médico geneticista Caio Bruzaca explicou que a porfiria aguda intermitente causa uma dor “intensa e inexplicável” no paciente, podendo se manifestar no abdômen, costas e coxas.
Muitas das vezes [a pessoa] pode apresentar vômitos, náuseas e prisão de ventre afirmou.
Segundo Bruzaca, a condição é marcada por episódios intermitentes, conhecidos como “crises”, que ocorrem em intervalos de tempo. O especialista enfatizou que essa característica torna a doença grave, com potencial fatal se não tratada adequadamente.
O profissional destacou ainda que não há cura para a condição, mas diagnóstico precoce permite iniciar o tratamento mais cedo para controlar os sintomas.
Como estamos falando de uma doença que afeta diretamente os músculos, em especial, levando à fraqueza muscular, temos que lembrar que toda nossa voz é resultante de movimentos da laringe, da traqueia e, principalmente, do nosso ato de respirar explicou o médico sobre a perda da capacidade de fala do rapaz.
Secretaria de Saúde de SP
A Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo comunicou que Thiago Rafael Fernandes está atualmente sob cuidados intensivos no Hospital Guilherme Álvaro, com acompanhamento de uma equipe multidisciplinar.
O medicamento, cuja administração está sendo discutida judicialmente, não é padronizado no Sistema Único de Saúde (SUS) acrescentou a pasta.