Seja você um fã dos filmes de terror ou apenas um admirador do cinema, certamente já ouviu falar sobre o filme “O Exorcista”. Pode ser também que já tenha dado uma chance ao longa, imaginando que não seria nada demais e acabou “traumatizado”.
Mas você sabia que um dos filmes de terror mais famosos de todos os tempos foi inspirado em uma história real? Sim, a experiência sobrenatural de Roland Doe serviu como base para a construção da história, e nós vamos contar tudo sobre ela neste artigo. Então acompanhe-nos para saber mais sobre esse caso macabro que aconteceu no fim da década de 1940.
O começo da história
No dia 20 de agosto de 1949, o jornal americano Washington Post publicou uma matéria chocante. “No que talvez seja uma das experiências mais extraordinárias desse tipo na história religiosa recente, um garoto de 14 anos de Mount Rainier (um subúrbio a cerca de 15 quilômetros de Washington, D.C., capital dos Estados Unidos) foi libertado por um padre católico após ser possuído pelo diabo”, escreveram os jornalistas, atraindo a curiosidade de pessoas em todo o mundo.
Na matéria, o Washington Post instigava ainda mais o interesse da população ao citar “fontes católicas” e explicar que foram necessários de 20 a 30 exorcismos para conseguir libertar o jovem da possessão demoníaca. Ainda segundo a matéria, durante os exorcismos o jovem “entrou em gritaria, vociferando grosserias e frases em latim — uma língua que nunca havia estudado — toda vez que o padre chegava ao ápice do ritual”.
Entre todas as pessoas que ficaram sabendo do caso bizarro de possessão estava William Peter Blatty, um jovem que estava cursando a faculdade na Universidade de Georgetown, em Washington, D.C.
Blatty sentiu um interesse genuíno na história, mas só se dedicou a ela anos depois, quando já havia conquistado alguns sucessos em sua carreira de escritor e roteirista. Em 1971, o escritor reuniu todas as informações que conhecia sobre o caso do menino possuído e publicou o livro ‘O Exorcista’, no qual o longa que mudou o cinema de terror foi inspirado.
Mas embora o filme mostre de maneira muito clara a história de Regan, a realidade é que pouquíssimos detalhes sobre a história do jovem que inspirou a história foram divulgados, no intuito de preservar a sua identidade.
Experiências sobrenaturais na casa
Segundo matérias publicadas no ano de 1949, o “menino possuído” tinha apenas 14 anos quando começou a passar pelas experiências sobrenaturais que marcariam a sua vida. Ele foi identificado como Roland Doe (“Doe” é um sobrenome genérico muito usado nos EUA como uma forma de preservar o anonimato das pessoas).
Foi nesse momento em que o adolescente começou a ouvir sons estranhos vindos das paredes de seu quarto. Esses barulhos começaram dias após a morte de sua tia, conhecida como “Tillie”.
Conforme documentos da Universidade Católica de St. Louis, no Missouri, Tillie era muito próxima de Roland. Acredita-se, inclusive, que ela teria apresentado o tabuleiro Ouija ao sobrinho. Esses tabuleiros foram criados no século XIX, período em que o espiritismo estava em ascensão.
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Chateado com a perda da tia e amiga, Roland teria tentado entra em contato com ela através do tabuleiro Ouija, e foi isso o que desencadeou os eventos paranormais que começou a tomar conta da sua casa, ao menos foi isso que a sua família relatou à imprensa.
Além dos sons estranhos vindos na parede, a família também afirmou ter visto a cama de Roland sacudindo de maneira estranha, cadeiras se movendo sozinhas, marcas estranhas surgindo no chão, entre outros fenômenos que não tinham explicação física aparente.
Preocupada com a situação, a família buscou ajuda dos mais diversos profissionais, desde médicos a psiquiatras, mas nenhum deles conseguia “resolver o mistério” que estava atormentando a sua família.
Então, a mãe de Roland resolveu recorrer à fé e entrou em contato com o pastor luterano Luther Miles Schulze.
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Vale pontuar que o exorcismo de demônios pela Igreja Católica é algo bastante tradicional. Desde 1614, a Igreja tem regras específicas, que passam por revisões periodicamente, para a realização desse tipo de ritual.
Schulze aconselhou a mulher a fazer uma visita até comunidade católica em Washington, pois lá estaria em contato com pessoas da Igreja Católica com mais experiência em casos de possessão pelo demônio.
O pastor ainda enviou uma carta ao Departamento de Parapsicologia da Universidade Duke, falando sobre os fenômenos que a família de Roland relatou: “Cadeiras moviam-se ao lado dele, e uma o arremessou longe. A cama dele tremia toda vez que ele estava nela.”
O testemunho do padre Bishop
Determinada a entender o que estava acontecendo e resolver toda a situação para retomar à sua vida normal, a família de Roland chegou até St. Louis, no Missouri, e entrou em contato com a comunidade jesuíta da universidade.
Lá eles conheceram o padre Raymond Bishop, que teria uma participação importante em sua história. Interessado nos relatos da família, Bishop levou essa história às autoridades da instituição, que permitiram que o padre visitasse a casa da família para testemunhar a realidade que vivam.
Então, Bishop foi-se para a casa da família de Roland, e começou a anotar as suas experiências em um diário. Não demorou muito para que ele começasse a testemunhar a realidade demoníaca que se manifestava no local.
Em seus escritos, Bishop relatou que a primeira vez que viu a cama de Roland, ela estava tremendo. Ele, então, abençoou a cama e fez o sinal da cruz usando água benta, o que parou automaticamente o movimento.
Percebendo que a situação da casa da família era realmente séria, Bishop recorreu à ajuda de William H. Bowdern, o padre da igreja da universidade que tinha muito mais experiência nesses casos.
Bowdern, além de sacedorte, era também um veterano da Segunda Guerra Mundial. Dois dias depois, ele foi até a casa da família e já se deparou com uma forte cena. Enquanto estava no local, Roland foi atacado pelas forças demoníacas e sofreu dois arranhões em forma de cruz pelo seu corpo. Ao mesmo tempo em que isso acontecia, diversos objetos voavam pela casa, como água benta.
A Universidade de St. Louis foi responsável por documentar esses eventos, e também segundo ela, Bishop e Bowdern se uniram e pediram autorização ao arcebispo de St. Louis para performarem um exorcismo, que foi aprovado.
Os rituais de exorcismo
Bishop e Bowdern passaram praticamente dois meses (março e abril de 1949) realizando rituais com o objetivo de libertar a família, e principalmente Roland, da possessão demoníaca. Os detalhes sobre esses rituais foram relatados no diário de Bishop, que depois foi entregue a Universidade de St. Louis.
“As orações de exorcismo continuaram e R (Roland) sacudia-se violentamente, lutando com seu travesseiro e roupas de cama. Os braços, pernas e cabeça de R tiveram que ser controlados por três homens. As contorções revelaram força física além do poder natural”, escreveu o padre no documento.
Bishop ainda anotou que Roland cuspia no rosto das pessoas que o seguravam e oravam por ele, nas mãos de padres e também é imagens religiosas. No entanto, como qualquer outro demônio ele reagir negativamente quando entrava em contato com água benta.
De acordo com a Universidade, os rituais foram realizados em diferentes lugares, “buscando aliviar o tormento do menino“. Um deles foi um centro de retiro, onde Bishop relatou que Roland tentou se jogar de um barranco após perceber que a entrada do local havia sido abençoado com água benta.
O “menino possuído” eventualmente foi transferido para o hospital universitário, e passou por um ritual de exorcismo durante o dia de Páscoa. Nesse dia, Bowdern e Roland tiveram uma conversa impressionante, que foi contada por Bishop em seu diário.
Em certo momento do ritual, o padre exigiu que o demônio se identificasse e deixasse o corpo do menino. Roland, com uma voz distorcida, teria respondido: “Ele (Roland) só tem que dizer mais uma palavra, mais uma pequena palavra, quero dizer uma palavra GRANDE. Ele nunca vai dizer isso. Estou sempre nele. Posso não ter sempre muito poder, mas estou sempre nele. Ele nunca vai dizer essa palavra.”
Nesse dia, tudo mudou para sempre. Alguns minutos antes da meia noite os dois padres perceberam uma voz diferente saindo do corpo de Roland: “Satanás! Satanás! Eu sou São Miguel e ordeno a você, Satanás e aos outros espíritos malignos, que deixem o corpo em nome de Dominus, imediatamente. Já! Já! AGORA!”, disse ela.
E aparentemente a voz tinha muito poder. Quando Roland acordou, já estava liberto da possessão e disse aos dois padres que o arcanjo São Miguel havia travado uma grande batalha para salvá-lo e havia vencido: “Ele se foi”.
O que aconteceu com Roland Doe?
Após a vitória dos padres e da fé, o caso de Roland foi apenas encerrado pelas autoridades da igreja de St. Louis sem qualquer tipo de declaração públicas para proteger a identidade do jovem.
Mas em agosto de 1949, Bishop concedeu entrevista ao Washington Post, que deu origem à matéria que chegou até William Peter Blatty e gerou a história que todos os fãs de terror hoje admiram.
E felizmente, mesmo com toda a visibilidade que a entrevista, o livro de Blatty e posteriormente o filme conquistaram, Roland conseguiu viver uma vida anônima.
De acordo com o The Guardian, o que se sabe sobre Roland é que o seu nome verdadeiro é Ronald Edwin Hunkeler, e que durante sua vida adulta ele trabalhou na NASA, desenvolvendo um trabalho que contribuiu para as missões espaciais Apollo da década de 1960. Além disso, ele também patenteou uma tecnologia que ajudou os painéis do ônibus espacial a resistir ao calor extremo.
Entretanto, de certa forma Roland sempre viveu atormentado pelo seu passado. Uma de suas companheiras, que não quis ser identificada, afirmou ao New York Post que ele se preocupava com a possibilidade dos seus colegas da NASA descobrirem que ele foi a inspiração para “O Exorcista.”
“No Halloween, sempre saíamos de casa porque ele imaginava que alguém iria até sua residência e saberia onde ele morava e nunca o deixaria ter paz”, afirmou a mulher, que complementou dizendo que a vida de Roland foi basicamente preocupação.
Em 2001, após quase 40 anos de trabalho na NASA, Roland se aposentou. E em 2020, ele morreu após sofrer um derrame em casa em Marriottsville, Maryland. E ele estava a um mês de completar 86 anos.
Onde saber mais sobre o caso de Roland Doe
O documentário “Roland Doe: A Verdadeira História de O Exorcista”, disponível no Prime Video, relata a história do adolescente possuído e é uma boa opção para quem deseja mergulhar ainda mais na história que inspirou o clássico filme de terror.
E se você prefere livros, a obra The Devil, Demonology, and Witchcraft (O Diabo, Demonologia e Bruxaria, em tradução livre) do historiador Henry A. Kelly, publicada em 1974, é uma grande fonte de informações.
A obra conta com um testemunho direto do padre Bowdern, que revelou que a ordem para realizar o exorcismo veio de autoridades eclesiásticas, e que ele apenas havia cumprido com as suas obrigações.
Ao ser questionado sobre os sinais de possessão que levaram à decisão pelo exorcismo, o padre revelou que não havia sinais de possessão diabólica relatados ou observados antes do início dos exorcismos, sendo Kelly escreveu em seu livro.
O historiador ainda comenta que as investigações anteriores sobre o caso eram falhas, e que os fenômenos sobrenaturais relatados pela família de Roland, como os objetos que se moviam na casa poderiam ter explicações diversas.
Ainda há o fato de que os rituais não contaram com qualquer supervisão médica, o que poderia colocar os testemunhos do diário de Bishop ainda mais em xeque.
No fim das contas, a veracidade ou não do caso de Roland é uma conclusão pessoal.
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