Parece simples, mas superar o determinismo biológico, geográfico e, especialmente, político é uma tarefa para aqueles que não se acovardam diante de um destino negligente que atravessa os séculos, inflama os ânimos e explica a revolta das massas, que suportam até o limite o descaso criminoso daqueles que deveriam protegê-las.
Crianças se transformam em guerreiros antes do tempo na luta pela sobrevivência, buscando na escassa ciência e nas imposições culturais uma solução para problemas cujas respostas se escondem, mas clamam para serem encontradas, não sem muita fé e determinação. “O Menino Que Descobriu o Vento” tem ares de conto de fadas, mas é uma história real, triste, inspiradora e de profundo significado filosófico.
Surpreendentemente autoral, o filme dirigido por Chiwetel Ejiofor, baseado na autobiografia homônima de William Kamkwamba, coescrita pelo jornalista texano Bryan Mealer, apresenta a história de seu protagonista de maneira didática, sem nunca cair no enfadonho, um dos méritos que lhe renderam cinco indicações em diversas premiações, começando pelo prêmio de Melhor Diretor da NAACP, uma prestigiosa organização dedicada à defesa dos direitos dos afro-americanos. Ejiofor, também roteirista do filme, estreia com maestria na direção de uma das mais relevantes produções da indústria cultural contemporânea.
A estreia mundial no Festival de Cinema de Sundance, em 1º de março de 2019, foi impactante. À medida que o tempo passava, os críticos deixavam de ser céticos e se rendiam ao entusiasmo, seduzidos pela combinação de comentário sociológico e poesia, habilmente equilibrados ao longo de 113 minutos, nos quais Ejiofor contrasta a aspereza do discurso com a beleza da cinematografia, repleta de imagens de campos de milho verdejantes que douram com o passar das semanas, testemunhas de funerais coloridos e estranhamente animados, nos quais homens caminham sobre pernas de pau, celebrando a transição para uma vida livre de privações, longe da dor da fome.
Enquanto sua hora não chega, Trywell Kamkwamba trabalha incansavelmente, observando a morte de perto. Logo na primeira cena, no Maláui do já distante ano de 2001, desmaios por exaustão eram comuns na aldeia de Wimbe, no interior do país, uma tragédia que os próprios agricultores preferiam ignorar, desde que a colheita fosse satisfatória. William, o filho mais velho de Kamkwamba, observa tudo isso, e mesmo para aqueles que conhecem sua história, é difícil imaginar que daquela mente surgirá um plano capaz de transformar o destino de sua vila, mas o impossível muitas vezes é mais fascinante do que desafiador.
Embora o diretor não se aprofunde na explicação da invenção de William – um moinho de vento para bombear água e gerar eletricidade, que poderia salvar a economia da região durante a seca – a vocação messiânica do garoto fica evidente no olhar penetrante de seu intérprete, uma representação perfeita daquela alegria da morte que se observa nos funerais. William Kamkwamba se formou em Estudos Ambientais na Faculdade de Dartmouth, nos Estados Unidos. Seu pai nunca deixou Wimbe.
Filme: O Menino Que Descobriu o Vento
Direção: Chiwetel Ejiofor
Ano: 2019
Gêneros: Drama
Nota: 9/10