Nos mais de 30 anos que atendo pacientes em minha clínica, percebi que há pessoas para as quais ser feliz é cultuar a infelicidade; os apelidei de viciados em infelicidade, já que para eles a infelicidade é uma droga, que, paradoxalmente, os deixa felizes.
Estas pessoas não entendem nem enxergam a felicidade nas pequenas coisas diárias, nem mesmo nos grandes acontecimentos; Haja o problema que houver, leve, médio ou grande, ele sempre sobrepuja o que está bom, provocando a sensação de infelicidade. Estas pessoas também têm, por característica, mitigar os grandes acontecimentos que geram felicidade imediata (como a compra de uma casa própria, o nascimento de um filho ou outros), de maneira a deixar espaço para o culto aos problemas, de qualquer medida ou tamanho.
O viciado em infelicidade vitimiza-se sempre e imputa aos outros suas mazelas. É incapaz de passar por cima dos problemas da vida e resolvê-los em definitivo; Enxerga seus problemas como os maiores de todos, como o centro do mundo. Não considera o que está bom (saúde, situação financeira, entes queridos, amigos, marido ou mulher dedicado, o que for) e foca somente no problema, justificando sua infelicidade crônica para assim, à sua moda, ser feliz.
O campo de ação do viciado em infelicidade é farto, pois nunca a vida de ninguém esta um perfeito mar de rosas. Assim existe matéria-prima de sobra para estes propagarem aos quatro ventos sua total infelicidade. Mesmo quando não há problemas relevantes, o viciado em infelicidade sai à caça; remexe o passado, provoca confusões e até mesmo encena doenças ou situações para que possa reclamar de si, de sua má sorte, da vida, dos outros e dizer o quanto é maltratado, azarado e infeliz.
A razão de agir assim é a necessidade de chamar a atenção; vitimizando-se, o viciado em infelicidade sente-se como eterno injustiçado e lamenta a felicidade que nunca chega, esperando atenção total dos outros que, ao se solidarizarem com ele, o tornam feliz.
Dentro de minha classificação de generosos e egoístas (que tenho explorado em meus livros mais recentes, dizendo que ambos no fundo estão errados), o viciado em infelicidade se classifica na segunda categoria. Espera sempre dos outros o que não dá. E quanto mais recebe, mais espera. E mais reclama das injustiças que sofre.
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Dr. Flavio Gikovate, psicanalista, na introdução de seu programa “No divâ do Gikovate” veiculado na rádio CNB, no dia 07 de Novembro de 2010.