O poder dos aromas, dos cheiros, dos perfumes é algo inexplicável. É uma associação imediata. Remete-nos ao tempo, coisas e lugares. Lembro alguns cheiros da minha infância. Não sei se eles realmente estavam lá, presentes, ou se eu os criei vendo fotografias, somando com relatos dos mais velhos. Mas para mim, eles existiram, poderia apostar.
O cheiro da comida da minha mãe, inconfundível. O aroma do café depois do almoço que teimava em invadir a casa inteira.
O cheiro do chimarrão aos sábados pela manhã. A loção pós-barba do meu pai. Lembro o cheiro da boneca de plástico novinha que ganhei em um Natal qualquer. Do uniforme da escola, limpinho, cheirando a amaciante.
Na minha adolescência os cheiros eram outros. Lembro uma vez que conheci um menino, naquela época em que se dançava juntinho nas festinhas de aniversário. Ele era lindo, mas seu perfume me lembrava ovo cozido. Não deu, não rolou.
Lembro-me o cheiro do suor nas camisetas depois dos treinos de vôlei ou futebol. Do condicionador que até hoje, entre uma marca e outra, volto a usar. Do perfume adocicado que naquela época achava o máximo e despejava quase meio vidro toda vez que saía com minhas amigas.
Recordo o aroma do primeiro livro que comprei em um sebo, amarelado. Aquele cheirinho que é uma mistura de mofo e de história. Sou até hoje fascinada por este cheiro.
Hoje, adulta e madura (mais ou menos). Outros cheiros me encantam. O cheiro de grama cortada, que para mim parece o da melancia. O perfume da Dama da Noite, que entra pela janela da minha casa, junto com a brisa que balança a cortina. E o que falar do cheiro do brigadeiro, aquele na panela, quando a mistura perfeita do leite condensado e do achocolatado começa a levantar fervura?
Gosto do cheiro que fica em mim quando saio do banho, depois de passar creme pelo corpo. É uma mistura de cabelo lavado e alma limpa. E claro, obviamente, gosto do meu perfume, do natural e daquele que escolhi como meu. Inconfundível em cada borrifada. Tem quem diga, mesmo de olhos fechados, que é possível sentir minha presença pré-anunciada antes mesmo que eu definitivamente chegue.
Gosto do cheiro da chuva. Do cheiro de goiaba e de goiabada derretida com queijo. Do aroma que inalo no copo de vinho, quando balanço entre meus dedos a taça. Amo cheiro de praia, de verão, da água salgada do mar. Mas também do inverno, o cheiro do frio, aquele que vem com o Minuano.
Gosto de cheirinho de criança, daqueles sabonetes feitos especialmente para elas, que teimo no auge dos meus 35 anos em usar. Tem outros cheiros que gosto, que na verdade, revelam predileções um tanto quanto exóticas (para não dizer, estranhas): gasolina, banheiro limpo e plástico bolha. Outros cheiros revelam manias minhas, inusitadas (para não dizer, novamente, estranhas): quando estou de dieta e corto algumas coisas radicalmente da minha alimentação, costumo cheirar tentações como doces e frituras, que amigos insistem em comer ao meu lado. Isso já basta, parece que tive uma overdose de chocolate e de coxinha, só por tê-los cheirado. Já me sacia.
E com tantos cheiros, fica tudo mais claro, mais perfumado. Cheiro é vida, é lembrança. É amor, apetite, saudade e, principalmente, sentimento.
Como diria Mário de Andrade: “Cheiro de cama quente, corpo ardente e perfumado recendente”.