Apesar de vários exames indicarem que o nódulo na garganta do headhunter Julio Cesar Dantas era benigno, ele tinha um mau pressentimento.
Passei três anos tentando descobrir o que era. Fui a três médicos sem que nenhum fechasse o diagnóstico relata.
Julio Cesar até passou por uma biópsia do nódulo. O resultado não identificou o problema, que só foi diagnosticado em maio de 2020: ele tinha um linfoma raro, conhecido como das células do manto (LCM).
A notícia ruim veio com uma série de outras. Não apenas era um tipo de câncer agressivo e considerado incurável, mas também representava uma sentença de morte. As primeiras previsões indicavam que ele teria apenas mais algumas semanas. Com muita sorte, alguns meses a mais.
O linfoma do manto
O LCM é uma condição rara, com uma taxa de sobrevida mediana de 3 a 5 anos. Esta doença representa apenas 5% dos aproximadamente 12 mil casos de linfomas não Hodgkin diagnosticados anualmente no Brasil.
Apesar de progredir geralmente de forma lenta, é resistente ao tratamento, e até há poucos anos, oferecia poucas perspectivas de prolongar a vida dos pacientes.
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Normalmente, os tumores são detectados em homens com mais de 60 anos. Julio, no entanto, tem apenas 45 anos. O LCM afeta as células do manto, que ficam na periferia dos gânglios linfáticos, da medula e do baço.
O linfoma do manto pode aparecer de diversas formas, algumas sintomáticas, outras, não. Ele pode causar aumento dos gânglios, como uma íngua na garganta; sintomas de anemia; aumento súbito dos linfócitos do sangue ou lesões no intestino que ficam invisíveis por algum tempo esclarece o hematologista Rony Schaffel, especialista em linfoma, professor da UFRJ e médico de Julio.
Uma luta pelo diagnóstico
O caso de Julio Cesar era praticamente assintomático. Ele só percebia o caroço em seu pescoço, sensível ao toque e com cerca de oito centímetros de diâmetro. “Dava para pegar com o dedo”, recorda.
A primeira biópsia que ele fez antes do diagnóstico indicou que era um tumor benigno, mas ele ainda tinha a sensação de que algo mais estava errado.
Julio persistiu em procurar médicos, e foi somente quando finalmente realizou um PET scan (exame de corpo inteiro que identifica tumores distribuídos pelo organismo) que recebeu o diagnóstico.
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Fui para a consulta com certa tranquilidade. Sabia que tinha um linfoma, mas tinha pesquisado e visto que era um tipo de câncer que se recuperava de forma relativamente fácil. Foi só diante do médico que descobri que meu tumor era de um tipo mais raro e que meu prognóstico era viver apenas mais algumas semanas conta.
Ele foi encaminhado para uma consulta com Schaffel para discutir o caso. O especialista observou que até 2020 não havia nenhum registro de paciente com linfoma do manto que tivesse alcançado a remissão (ausência total de tumores no corpo).
Eu disse para ele que estava determinado a ser o primeiro recorda Julio.
Tratamentos para tentar reverter a doença
A terapia começou com doses elevadas de quimioterapia, porém o câncer não estava reagindo adequadamente às intervenções. A principal expectativa agora estava no transplante de medula.
Em fevereiro de 2021, ele passou pelo procedimento utilizando células do próprio corpo, conhecido como transplante autólogo. Essa técnica reintroduz as células-tronco do paciente em sua medula óssea após uma intensa sessão de quimioterapia, visando à recuperação do organismo.
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No entanto, Julio Cesar acabou enfrentando falência medular, um estado em que o tratamento resulta na produção insuficiente de sangue pelo organismo.
Além disso, enquanto estava no hospital, o headhunter contraiu uma infecção por uma superbactéria (KPC), o que exigiu o aumento da quantidade de medicamentos administrados.
Mesmo com todos os esforços, o tratamento não foi capaz de erradicar o câncer completamente. Uma pequena porção de células do linfoma permaneceu no intestino de Julio Cesar e, sobrevivendo ao tratamento, tornaram-se mais resistentes.
O tumor evoluiu para o tipo blastoide, uma forma ainda mais resistente das células do LCM – o que representa cerca de 10% dos casos.
Esse tipo de linfoma é o mais agressivo que temos. As células do linfoma do manto já são naturalmente mais resistentes ao tratamento: elas ficam muito tempo no organismo e isso as torna difíceis de serem identificadas como ameaças pelas defesas do corpo. Para piorar, as células blastoides são mais fortes e raramente podem ser destruídas esclarece o hematologista Schaffel.
![Paciente supera câncer raro após prognóstico de morte](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2024/04/Paciente_supera_cancer.jpg.webp)
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Transformação de fé
Em maio de 2021, quando o câncer de Julio Cesar mudou de forma, ainda não estavam disponíveis opções de tratamento mais avançadas, como o com CAR-T – que está sendo testado no Brasil com bons resultados para esse tipo de linfoma.
Com as células transformando-se em tipo blastoide em menos de três meses após o transplante de medula, os médicos novamente deram poucas esperanças a Julio. As chances de alcançar a remissão eram praticamente nulas.
Para mim, essa jornada passou a ser sobrenatural. Embora eu tenha sempre sido um homem muito pragmático, o que ocorreu comigo foi um milagre. Acabei desenvolvendo uma sensibilidade muito grande e uma relação muito próxima com Deus. Decidi continuar o tratamento e pedia a cura nas minhas orações. No fim da terapia, já conseguia sair da quimio e ir jogar futebol com meus filhos. Era um progresso inexplicável relembra.
Contra todos os prognósticos, em janeiro de 2022, os exames revelaram que o tratamento foi eficaz e não havia mais células cancerígenas no corpo de Julio Cesar.
Ainda estou em uma jornada que está longe de acabar. Tenho que continuar o acompanhamento, mas a doença me transformou como indivíduo. Hoje, acredito que sirvo a um propósito finaliza o headhunter.
Para o hematologista que acompanhou o caso de Julio Cesar, o fato de ele ter alcançado a remissão diante de tantos prognósticos desfavoráveis é, de fato, algo excepcional que merece ser comemorado. A ciência está empenhada em tornar essas histórias de superação cada vez mais frequentes.
Em março de 2024, foi introduzido no mercado brasileiro um medicamento específico para o tratamento do linfoma de manto, o Jaypirce (pirtobrutinitbe), produzido pela farmacêutica Eli Lilly.
Ele bloqueia a produção de uma enzima no corpo que é característica desse tipo de linfoma e age de maneira direcionada, reduzindo os efeitos das quimioterapias mais generalizadas realizadas anteriormente, como as que Julio Cesar recebeu.