“Alma Gêmea” se consolidou como um fenômeno televisivo já conhecido desde meados dos anos 2000. Naquela época, a novela de Walcyr Carrasco, exibida no horário das 18h, teve sua duração estendida e alcançou picos de 50 pontos de audiência, competindo diretamente com as novelas das sete e das nove na Globo.
Mas o que explica esse sucesso estrondoso? A segunda exibição da trama na TV aberta apresenta uma chance perfeita para destacar o apelo das fórmulas clássicas junto ao público.
Na era digital, onde a ficção está acessível a qualquer momento, surgem questionamentos — seja por parte do público, comentaristas no Twitter ou críticos — sobre o ingrediente secreto para criar uma narrativa envolvente.
O aumento da audiência com a reprise da novela, dirigida por Jorge Fernando, oferece uma resposta clara: o segredo está no apelo do clássico.
Walcyr Carrasco não guarda segredos sobre sua fórmula! Em palestras, entrevistas e em qualquer lugar que vá, o autor revela sua estratégia: ele busca inspiração no cerne das histórias clássicas, que sempre lhe proporcionaram grandes enredos.
Essas histórias, adaptadas para o contexto e o tempo atual, podem ressoar em qualquer época ou situação, com inspirações que vão desde a Bíblia até contos de fadas.
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A Bela e a Fera das tardes
Pode parecer surpreendente ou até irônico, mas a novela com maior audiência no horário das 18h nos anos 2000, um feito até hoje inigualável, foi inspirada em um conto tão singelo quanto “A Bela e a Fera”.
Quem cresceu apreciando clássicos facilmente reconhecerá a similaridade na trama entre Rafael (Eduardo Moscovis) e Serena (Priscila Fantin), que sutilmente evoca a história da rosa eterna do conto francês de Gabrielle-Suzanne Barbot.
É natural que uma história que transcendeu gerações e foi adaptada para palcos e cinemas seja a base ideal para uma novela de sucesso.
Essa inspiração, combinada com elementos espirituais que cativam o público brasileiro — sem impor doutrinas —, a pureza de uma protagonista vinda de um ambiente distante da civilização moderna, e uma ou até duas antagonistas com nuances de personagens de desenhos animados, contribuem para solidificar e eternizar a trama, como um clássico cinematográfico.
Essa mesma lógica se aplica e se mantém relevante ao considerarmos referências como Shakespeare em “O Cravo e a Rosa” e José de Alencar em “Chocolate com Pimenta”, outras novelas das seis de Walcyr Carrasco.
Essas obras são frequentemente ligadas pelo sucesso que compartilham, impulsionado por enredos envolventes, personagens memoráveis, elementos cômicos — como chiqueiros e tortadas na cara — e trilhas sonoras marcantes, especialmente as instrumentais.
Falar com todos e para todos
Você nem precisa assistir inteiramente. Bastam quinze minutos assistindo a um capítulo de “Alma Gêmea” para reconhecer diversos aspectos do cotidiano refletidos na tela. Seja em um diálogo, um bordão, um traço de caráter ou uma alusão.
De crianças a idosos, do simples ao complexo, do moral ao imoral, do rústico ao essencialista. Tudo se alterna rapidamente, embora pareça estacionário. Certamente, algo vai capturar sua atenção! Essa técnica, longe de ser uma novidade em dramaturgia, também revela o segredo da durabilidade do sucesso das narrativas de Carrasco.
Atingir uma ampla audiência com agilidade, pistas e reviravoltas é a primeira regra das telenovelas, ao menos teoricamente.
Resta a pergunta: essa tática tem sido esquecida? Talvez ainda lembrada, mas confinada a nichos específicos, buscar relevância no dia a dia do espectador exige romper barreiras e expandir horizontes, um desafio notável para um autor de novelas atualmente.
Mas, como o próprio escritor ocasionalmente menciona: ter experiência como jornalista na era do jornal impresso, trabalhar sob pressão e operar quase mecanicamente pode ser um diferencial.
É verdade que situar a trama em outra época é um aspecto que auxilia e muito os memoráveis sucessos de Carrasco. Contudo, ele já demonstrou em outros horários e contextos que sua abordagem de criação não é datada: inovando no tema escolhido, o clássico sempre será o motor principal de uma grande novela.
E essa é uma verdade incontestável, tanto para os fãs apaixonados por telenovelas como “Alma Gêmea” quanto para os críticos que apontam essas obras como subestimadoras do público ou criticam os diálogos por serem “rasos” ou pouco realistas.
No fundo, todos sabem que o que realmente atrai o espectador, independentemente do horário, é a procura por uma fórmula consagrada. O resto é como rechear um bolo com chantilly e ganache: cabe acrescentar criatividade, mas no fim todos sabem o que esperar.