Quando a Globo divulgou, em março, que Gloria Perez iria substituir Pantanal (2022) em vez de João Emanuel Carneiro, as expectativas em relação a Travessia cresceram substancialmente.
Afinal, a autora estava furando a fila do horário nobre, jogando o criador da antológica Avenida Brasil (2012) para o Globoplay – o que foi considerado, na época, um rebaixamento para ele e uma promoção para ela.
A história de Brisa (Lucy Alves), no entanto, não deu certo e se tornou o grande fiasco entre as novelas de 2022.
A escalação de Jade Picon para ser uma das estrelas da trama incomodou boa parte dos telespectadores antes mesmo da estreia. A falta de experiência como atriz pesou, mas a antipatia que ela gerou dentro do BBB 22 contribuiu ainda mais para o ranço ser instalado.
Chiara não é uma personagem pequena e, por mais que seja defendida por Gloria Perez e pelo diretor artístico Mauro Mendonça Filho – que lançou Camila Queiroz em Verdades Secretas -, Jade não tem fôlego para um papel tão grande.
O texto da autora não ajuda, e tudo que a influenciadora fala parece ainda mais robótico e falso. A preocupação em usar termos supostamente descolados – já que a novela se propõe a falar sobre tecnologia – deu à trama um ar ultrapassado. É controverso? Sim. Mas é o que acontece com Travessia, que cheira a naftalina.
Os papos sobre metaverso e futurismo soam ridículos quando Brisa, que tem acesso a redes sociais, fica presa durante alguns meses e não se comunica com a família porque perdeu o telefone e não lembra o número de ninguém.
Gloria virou assunto na época de Salve Jorge (2012) quando disse que os telespectadores deveriam “aprender a voar” e não esperar tanta realidade em sua trama.
Só que Travessia é uma novela contemporânea e realista. Uma coisa é acreditar que alguém se transforme em gato em O Sétimo Guardião (2018) quando a novela é vendida como uma fantasia.
Mas em pleno 2022 ninguém com informação e com uma conta no Instagram, como é o caso de Brisa, ficaria incomunicável durante meses. Depois que ela saiu da prisão, a heroína ainda passou perrengue por não conseguir achar ninguém. Se não dava para torcer por Chiara, como torcer por Brisa? Não é uma história crível, não há identificação.
A abordagem da fake news tão alardeada na divulgação também ficou aquém do que se esperava.
A “brincadeira” feita por Rudá (Guilherme Cabral) ficou esquecida e não foi tratada com a gravidade necessária. Fora que a montagem feita pelo adolescente ficou tosca, e os furos envolvendo a divulgação do sequestro deixaram o telespectador desapontado já no início.
Autora de sucessos como O Clone (2000) e A Força do Querer (2017), Gloria não conseguiu reverter a situação desta vez. Com a queda de audiência durante as festas de fim de ano, é bem provável que a situação ainda piore.
Pouco antes de a novela entrar no ar, a autora comemorava estrear depois de Pantanal, que foi um grande sucesso de repercussão e com bons números: “É mais fácil manter o público de frente para a TV do que resgatar que não está mais vendo.” Pelo andar da carruagem, Walcyr Carrasco não terá a mesma sorte de sua antecessora.