Numa sociedade machista, ser pai é lindo, é função opcional, afinal, parece que todo homem pode errar e que, em 98% dos casos, as mulheres engravidam, ou propositalmente, ou pior, sozinhas. Este breve artigo serve apenas de exemplo para aqueles que elogiam quando um homem assume a responsabilidade de ser pai. Não existe coisa mais machista do que isso, é como elogiar o troco que veio certo; sou grato por meu pai ter sido homem o bastante e arcar com o que fez, mas mais grato ainda em ter uma mãe que foi mãe, pai, irmã, vó, amigo (…)
Ultimamente tenho visto tantas amigas e amigos casarem, tenho conhecido tantas mães, separadas de relacionamentos recentes, pais divorciados com menos de 24 anos e, sempre que presencio isso, eu lembro do meu pai; por mais cafona que isso pareça, este texto é sobre a sorte que eu tive de ter os meus pais – no plural.
Meus pais se separaram logo cedo, eu era pequeno, e isso, na verdade, nunca me afetou; durante esta época, meu pai ia até em casa me colocar na cama, dar boa noite para a minha irmã e, na sala, esperava eu e minha irmã cair no sono para ir embora. De manhã, ele estava lá algumas vezes, vindo da casa da minha avó, nos apressando para ficarmos prontos logo, fingindo que também havia acabado de acordar lá e estava atrasado.
Naquela época, eu não entendia e nem sabia que meus pais eram separados. Minha mãe e meu pai tiveram – e tem, uma ótima relação, utópica entre antigos separados e recentes distanciados com – ou sem filho, claro que, com altos e baixos que hoje reconheço e entendo cada um de seus motivos, mas lembro muito bem da época que eu, o inferno da escola, pegava recuperação em tudo, e meu pai, sem nem se quer saber as matérias direito, ficava até tarde da noite me ensinando aquilo que precisava melhorar; dos mapas em papel vegetal, até aquelas tabuadas e continhas chatas que eu virava o olho em ter de fazer.
Me lembro dele planejando ideias para finais de semana de dureza, transformando a ideia de lavar um carro em um passatempo incrível para um sábado a tarde de um moleque de 12 anos. Pois é, meu pai não tinha grana, não tinha grana porque não deixava de pagar minha escola e meu plano de saúde, por isso, sempre andava duro e fodido. Ele tinha um Corcel 88 que usava pra tudo, desde carregar peças, até levar a gente em qualquer parque para um pique-nique bem econômico.
Minha mãe, por outro lado, complementava minha educação com teatros, livros, aulas de ‘N’ coisas, como piano, aulas de reforço, esportes, papos e broncas; na questão ‘papos e broncas’, o meu pai era mais na base da cintada, neste aspecto, cansei de levar porrada pelas coisas babacas que aprontava – e agradeço por isso, foi sorte, nunca tive pais que fugiram da função, da responsabilidade plural de ser pai e mãe, muitas vezes de “gêneros invertidos”, muitas vezes minha mãe era meu pai, e meu pai era minha mãe; acho que até hoje ainda é assim, uma hora ou outra, um ocupa o lugar do outro, sem nem saber.
Ambos me apoiaram e ainda me apoiam muito, no lado racional e no emocional, e hoje em dia, me vejo numa posição que também consigo apoia-los neste sentido. Ms este ciclo de raciocínio se iniciou ao ver tantos amigos e amigas jovens com filhos, filhas e já separados, brigados e com vidas singulares, fugindo do plural e da responsabilidade. Por este motivo fico agradecendo por ter tido e por ter um pai que sempre foi presente, tornando minha mãe sempre secundária, como se fosse uma função praticamente imposta à ela – o que mais acontece com todo meu cenário social, onde as mulheres são as que abrem mão de tudo, cedem tudo, quando tem um filho(a).
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Fonte: Obvious