Para ler ouvindo Adeus Você – Los Hermanos
Ei, caro amigo, escrevo-lhe agora para lhe fazer um pedido. Lembra-se daquela carta que lhe escrevi, aquela do envelope amarelo e papel cor de rosa, onde eu dizia que rosa era a cor da minha aura naquele momento, porque eu estava me sentindo a princesa do conto de fadas? Lembra-se que havia lhe contado que, enfim, encontrara o amor que há tanto tempo procurava?
Pois é, agora lhe escrevo esta carta à tinta de uma caneca BIC azul bem sem graça, num papel pautado de caderno para lhe dizer que o amor foi brutalmente assassinado à sangue frio num dia quente de uma vida morna. O pobre do amor ficou estilhaçado no chão da sala, enquanto as malas cheias de roupas e vazias de sentimentos saíam pela porta sem ao menos despedirem-se.
E eu também fiquei ali, com os pedacinhos ínfimos do amor, tentando juntá-los para ao menos conseguir grudá-los em um “eu volto logo”, talvez em um “eu me importo com você”, ou ao menos em um “vai ficar tudo bem”, mas não consegui nem juntar os meus pedaços depois daquela porta se fechar, o que dirá juntar os caquinhos daquele amor arruinado?
Meu amigo, passaram-se minutos, horas e dias e eu insistia em deixar os pedacinhos do amor no cantinho da sala, ao lado do sofá cinza que você me ajudara a escolher. Aos poucos fui percebendo que já não era mais amor, tornara-se denso, não tinha o mesmo brilho do momento em que fora partido, já não reluzia mais.
E depois de duas semanas comecei a sentir um odor estranho na casa, cheiro de algo mofado, de algo que não recebia a luz do dia há muito tempo e percebi que eram os pedacinhos daquele amor pungido. Mas não, não queria me desfazer dele, tivera seu valor, fora muito importante por alguns anos, como poderia tirar dali algo tão precioso?
Foi quando eu vi uma fotografia sua com outra mulher, meu amigo, neste momento a realidade caiu sobre minha cabeça como aquela cena clássica dos desenhos animados onde o piano cai sobre o personagem e ele fica estirado no chão misturado ao asfalto. Pois é, foi neste exato instante onde o amor se transformou em pedacinhos de chumbo com cheiro de roupa velha. Precisei de apenas uma sacolinha de mercado para colocar aqueles detritos, mas tive que usar uma luva de látex para não sujar minhas mãos.
Depois de me livrar daquele amor, comprei flores, coloquei novos quadros na parede, fiz uma prece, pedi proteção e roguei para que, se de repente, o amor resolvesse voltar, que ele viesse por inteiro, que fosse um amor novinho com cheiro de sonho de padaria e gosto de café de casa de vó.
Por fim, caro amigo, aqui está o meu pedido, rasgue esta carta sem graça, juntamente com aquela do envelope amarelo. Não clame perdão nem ensaie um pedido de retorno. Aquele nosso amor não poderá ser mais resgatado, virou sucata junto a tantos outros amores aterrados no terreno baldio do esquecimento.