A mulher de 60 anos estava indo pela terceira vez ver “Titanic” nos últimos cinco dias. Em todas, garante, mergulhou num choro sem fim, jogando um trocadilho ao mar. Mais fidedigno seria dizer que ela transbordava diante de uma das mais manjadas histórias de amor que naufraga antes do final feliz na tela grande.
Dona Fulana de Tal, que não quer revelar o nome para não parecer tão cringe assim, não esteve só na catarse coletiva em que se transformaram as sessões em 3D da superprodução de James Cameron remasterizada 25 anos depois de sua estreia, lá nos idos de 1998.
No primeiro fim de semana em cartaz no Brasil, “Titanic” foi visto por 284,9 mil pessoas, segundo dados da Comscore, faturando R$ 3,21 milhões.
Nessa numeralha, fica faltando uma: faixa etária. Embora o arrasa-quarteirão atraia gente como Dona Fulana de Tal, o público atual que embarca no choro convulsivo da terapia de grupo conduzida pelos personagens Rose DeWitt Bukater e Jack Dawson é adolescente ou quase, aquela faixa entre 11 e 16 anos.
A grande maioria, meninas. Uniformizadas, como numa sala de aula imaginária, usam tops, calças boatcut, tênis, argolas nas orelhas, gloss e muito rímel.
Imaginavam, “real, total”, que poderiam derramar lágrimas aqui e ali… Mas não a ponto de usarem o guardanapo da pipoca gourmet para limpar o rímel borrado quando as luzes das salas se acendem.
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No Rio de Janeiro, com o impulso da semana promocional de ingressos a R$ 10, elas, as salas, estavam abarrotadas — um indício de que preços mais convidativos podem atenuar o efeito naufrágio provocado pela pandemia na experiência presencial de ver filmes.
É, no mínimo, reconfortante enxergar e fazer parte de uma festa na antessala de um cinema: burburinho, encontros marcados e ao acaso, fofocas da “resenha” da noite anterior, retoques na maquiagem, trechos de músicas cantados para revelar aos amigos a novidade da última semana.
Uma euforia movida a pipoca, bala a peso, chocolate com caramelo, combinações futuras de sorvete e donuts após o fim da sessão de fim de tarde, selfies para serem postadas no status do WhatsApp.
O filme começa morno. Conversas aqui e ali tiram a concentração de quem tenta se acostumar com os óculos 3D para assistir às cenas vistas a olho nu em 1998. À medida que a trama zarpa, o silêncio vai invadindo o ambiente. Celular tocando? Embalagens sendo abertas com exibicionismo? Também não.
Curiosamente, é como se tudo tivesse sido transportado para dentro daquele majestoso navio que toma a tela.
Fato consumado: todo mundo conhece o começo, o meio e o fim da história de “Titanic”, o transatlântico de luxo à prova de falhas que bate em um iceberg e afunda em 1912, matando 1.517 pessoas. Somente isso já seria elemento suficiente para atrair hordas de fãs do cinema catástrofe, um gênero que costuma ser pule de dez entre adolescentes, flertando com o suspense e o terror.
Mas o filme ainda tem romance, Leonardo DiCaprio (“gaaato”, gritam) como o herói anticonvencional Jack, Kate Winslet (“liiinda”, idem) como uma jovem mulher à frente do seu tempo, um vilão machista dentro da lógica de seu tempo (“úúú”), uma mãe repressora que quer enquadrar a filha dentro dos padrões da época. Tudo isso costurado com crítica social (proletariado x realeza) e efeitos especiais (“Como ele conseguiu fazer isso?! Nem parece que é um filme velho”, diz uma jovem, baixinho).