Ahh, esses ciclos…
Então vocês estão juntos a um tempão, contabilizaram 7 anos e meio, 2 viagens, um cãozinho em comum, um apê alugado e centenas de jantares com os amigos. Estavam planejando, assim que vocês se formassem, um tour pela Europa e na volta, oficializar essa relação. “A mulher precisa ter o sobrenome do marido para ganhar respeito”, ele dizia.
Ele comprava chocolates, dava flores nas datas especiais e tinha uma facilidade pra puxar assunto com os seus pais, que você até já estava achando que eles gostavam mais dele do que de você. Sua mãe comentava nas reuniões de família, a sorte que você teve de ter arrumado um “partidão” como aquele. Ele definitivamente era um bom partido.
O que ninguém sabia e você não se dava conta, é que aquilo já não era mais algo que te deixava feliz. Ninguém estava com vocês pra perceber que você, alegre como sempre foi, adora dançar – ele não gosta – então vocês nunca saíam pra curtir uma noitada. Você adora ouvir pagode, ele curte rock e te dizia que ouvir pagode soava vulgar; você acreditou.
Você, como tem uma criatividade a mil e adorava as aulas de teatro no colégio, sempre sonhou em estudar Artes Cênicas e ser atriz. Ele escolheu a área de T.I, e como a área dele inicialmente paga mais, então “vocês” combinaram de ele fazer faculdade primeiro, já que o que vocês dois ganhavam não daria para bancar aluguel, despesas da casa e duas faculdades. Mas quando ele se formou e você mencionou começar os teus estudos, ele comentou que achava que você deveria estudar algo que te desse mais credibilidade e um emprego de verdade. Você concordou e começou a estudar Administração.
As tuas amigas que te acompanharam na adolescência foram aos poucos sendo substituídas pelos amigos dele, que foram casando e então vocês já estavam sempre entre casais. Você antes de conhecer ele, fazia ioga, nas sextas fazia um happy hour só das meninas regado a caipirinhas e papos sobre a vida. Estava estudando inglês porque tinha a vontade de fazer um intercâmbio.
Não preciso nem dizer que hoje nem sinal da ioga, e das tuas amigas, você só tem notícias pelo Facebook. Então hoje, aos 25 anos, você trabalha durante semana num escritório, quando chega em casa, tem coisas pra limpar, jantar pra fazer e você janta olhando novela na sala. Ele trabalha também, chega em casa tarde, janta, se atira na cama pra jogar videogame e quando sobra disposição até rola uma aventura, mas isso tem ficado cada vez menos frequente. Aos finais de semana vocês alternam entre noites de pizza e Netflix ou saem para jantar com os amigos de vocês.
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Você até então pensava, “está tudo bem, é assim que as coisas são quando estamos em um relacionamento”. Mas houve um domingo, que após um almoço com a sua família, você mencionou pra ele o quanto a tua prima estava radiante depois de ter passado 30 dias viajando pelo mundo sozinha e ele respondeu que ela era fútil e que não era mulher para casar, porque na idade dela se ela não conseguiu segurar nenhum homem então pra ele, ela não passava de uma fracassada que ganhava bem. E ainda te disse que “graças a Deus” você era diferente.
Na hora, a sensação foi de ter levado um soco, depois você foi tomada por uma sensação de clareza, e como num passe de mágica nada daquilo fazia mais sentido pra você. Você ficou em silêncio organizando aquele turbilhão de pensamentos e toda a vida em comum de vocês passou pela sua mente como um filme. E pela primeira vez você conseguiu analisar de fora de você mesma a situação. Vocês nunca tiveram nada em comum. Desde os gostos até os objetivos. Ele não era homem pra você e você não queria mais tentar ser a mulher que ele esperava. Você foi até o banheiro, lavou o rosto e então conseguiu se reconhecer de novo. E como isso foi libertador!
Você naquela noite não conseguiu dormir pensando em como terminaria com ele e pensando em tudo que faria a partir daquele momento, afinal, você tem tanto projeto guardado na gaveta. No dia seguinte, você tinha tomado posse da sua própria identidade de novo. Levantou, foi, até a padaria, pediu seu café predileto e saiu a andar pelas ruas sentindo cada aroma, olhando cada pessoa nos olhos, observando como se tivesse acordado de um coma. Você conseguiu enxergar o quanto aquela relação estava te fazendo mal e te podando como pessoa, e o quanto vocês eram incompatíveis. Naquele dia você, encerrando todo um ciclo, foi até o seu trabalho, pediu sua demissão e tratou de agendar seu vestibular para artes cênicas. Você sabia que tinha talento pra isso e que tinha estrela.
Você queria arriscar. Você, como quem inicia um capítulo novo, tratou de fazer uma limpa nas roupas e objetos e deixou só o estritamente necessário. Tomou um banho, cortou o cabelo e aguardou ele chegar. Quando ele chegou, encontrou você de malas prontas, cabelo cortado e brilho nos olhos. Você não precisou explicar porque ele já tinha entendido. Aquilo era o fim. Você olhou pra ele, agradeceu os bons momentos juntos e os aprendizados daquele tempo todo. Disse pra ele que você nunca tinha sido quem ele esperava, e que nesse tempo o fato de você ter tentado se encaixar nas expectativas dele, só foram fazendo de você uma mulher triste e frustrada. Desejou sorte pra ele. E saiu.
Ao sair na rua, com as malas, você parou, contemplou as luzes da cidade e os carros passando e decidiu reescrever uma nova história, onde você iria agora extrair todo seu máximo potencial e iria ser fiel a quem você é.
Você entendeu então, que os amores vêm e vão. E que a gente sempre tem a possibilidade de aprender algo novo com cada história. E que existem relações com prazo de validade. Então você parou de se culpar e saiu pela rua com a certeza de que tinha uma vida inteira pela frente.