Para muitos de nós, brasileiros, o Natal é sinônimo de reunião familiar, troca de presentes e abundância à mesa. No entanto, para alguns, seja por questões de fé ou tradição, essa celebração pode ter significados totalmente diferentes ou até mesmo não existir.
É o caso de Patrícia Rodrigues, 49 anos, e Isabele (nome fictício), 31 anos, cujas histórias nos apresentam perspectivas distintas sobre a ausência – e o reencontro – com o espírito natalino.
Para Patrícia Rodrigues, a ausência da celebração natalina teve um impacto significativo e resultou no distanciamento da família.
Durante sete anos, Patrícia foi membro das Testemunhas de Jeová, uma comunidade religiosa que proíbe seus seguidores de celebrar aniversários e feriados, incluindo o Natal. A única celebração permitida é a morte de Cristo.
Quando percebi que essas proibições não faziam sentido para mim, fiquei aliviada com a possibilidade de voltar a celebrar o Natal com minha família, que nunca aderiu à religião, conta Patrícia, que deixou a congregação há um mês.
Patrícia relata como a religião a isolava de informações externas e impunha regras rígidas sobre o que podia ou não consumir.
Eles nos impediam de buscar qualquer informação sobre as Testemunhas de Jeová fora do site oficial da religião, pois acreditavam que qualquer informação externa era falsa. Foi através do TikTok que ela encontrou relatos de ex-membros, o que despertou sua curiosidade.
Vi pessoas afirmando que a religião era extremista. Já tinha algumas dúvidas, e isso me incentivou a pesquisar. Então, no mês passado, entreguei a carta necessária para formalizar minha saída.”
Essa decisão, no entanto, trouxe consequências difíceis. “As pessoas que deixam a igreja são mal vistas porque são consideradas ‘traidoras de Jeová’. Os membros da congregação pararam de falar comigo e me rotulam como ‘apóstata’ (que renunciou à fé).”
Um novo Natal
Para Patrícia, o processo de reconstrução pessoal inclui o resgate do espírito natalino.
Eu pensava que estava obedecendo a Jeová, mas percebi que estava obedecendo a homens. Descobri que não é pecado celebrar o Natal e desejar o bem para quem amamos. Aprendi que o Natal é uma celebração do nascimento de Jesus Cristo e um momento de gratidão pelo ano que passou. Agora, ela está ansiosa para enfeitar a casa e compartilhar a ceia com familiares e amigos.
Estou animada por todos os anos perdidos sem celebrar o Natal. Quero abraçar cada um à meia-noite e saborear a comida deliciosa. É algo que traz paz ao coração.
Isabele: Natal, apenas um dia comum
Se para Patrícia a ausência do Natal foi algo doloroso, para Isabele*, a falta de celebração teve um peso menor. Desde criança, Isabele conviveu com a ausência do Natal. Criada em um lar ligado à Congregação Cristã no Brasil, ela nunca participou de ceias, trocas de presentes ou decorações.
Eu cresci morando com meus avós e mãe, todos da CCB. Não recebia presentes porque o Natal não era comemorado, era simplesmente uma data como qualquer outra. Não havia reunião familiar, ceia ou troca de presentes. Já meu pai, que era de família católica, me presenteava.
Na Congregação, as celebrações de Natal não fazem parte do calendário religioso, contou Isabele.
Não havia celebrações. Era um culto comum, como qualquer outro que acontecia na semana. A justificativa que me deram é que, por não existir menção expressa sobre a data na Bíblia, não se comemorava.
Atualmente, Isabele* não faz mais parte da Congregação, participa de uma outra igreja evangélica, mas mantém os hábitos da infância.
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Não vejo isso de forma negativa. Acho que por não ter crescido com esse costume, não é algo que me faça falta. Mas não descarto a possibilidade no futuro.
Apesar disso, ela não se opõe à celebração e aprecia as tradições natalinas de outras pessoas.
Eu achava bonitas as decorações e a tradição de reunir a família. Já frequentei a casa de amigos católicos e evangélicos no Natal, e me senti como se estivesse em uma festa de família, um aniversário. Mas, quando me cumprimentaram com ‘Feliz Natal’, achei estranho no início, porque era algo novo para mim, relembrou.
Isabele* conta que já passou o Natal sozinha, mas sua família nunca a impediu de participar de celebrações com amigos.
“Eles são flexíveis nesse ponto, mas continuam não comemorando.” Mesmo sem comemorar a data, ela reflete sobre a importância do significado. “Não acredito que deva ser uma regra universal aplicável a todas as igrejas. Servir e louvar a Cristo diariamente já não são motivos para celebrá-lo?”
Sobre a participação do Papai Noel nas celebrações de natal, afirma que nunca ouviu da igreja “nada que fosse pejorativo ou rotulado como pagão.”
O que dizem as igrejas
As Testemunhas de Jeová, conforme descrito em seu site oficial, não comemoram o Natal por acreditarem que a data possui origens pagãs e que a Bíblia enfatiza a celebração da morte de Jesus, não de seu nascimento.
A organização destaca que prefere focar na pregação e no relacionamento com Deus ao longo do ano, sem celebrações específicas.
Já a Congregação Cristã no Brasil afirmou ao UOL que Jesus orientou seus seguidores a celebrarem sua morte, e não seu nascimento, considerando este evento o centro da salvação.
Apesar disso, a instituição não concedeu entrevista detalhada sobre aspectos doutrinários relacionados à comemoração do Natal.