Essa é uma história real, no qual presenciei. Uma criança de 11 anos cria uma história para escola com o título “moleque cidadão”. Uma triste história de um mendigo vivendo nas ruas, excluído e apanhando, o final da história surpreende e intriga o professor.
“… E Tacaram Fogo no Tal do João, Que em meio à Chama Ele Sorria, Porque Tiraram Dele Sua Maior Agonia Que Era Ser Desprezado.”
A criança tirou nota 10 com um comentário do professor, dizendo que ninguém morreria queimado e ficaria feliz com isso, mas o que a história não conta, o que está oculto, é o fato de “ser desprezado”, que está no texto, é ser rejeitado, ser ignorado seria uma dor tão insuportável quanto morrer queimado, e quem vive essa história é a própria criança de 11 anos, que trouxe sua maior dor em forma poética nessa história.
A dor de estar com a solidão, mesmo em meio a multidão, em meio a um grito de agonia que nem a criança pôde expressar a sua mãe, na verdade é um pedido para que tirem essa dor que só, não se consegue.
Por traz de toda criatividade há uma dor velada, mascarada pelo lúdico, pelas brincadeiras fantasiosas transportando-se para um mundo onde escolhera ser o centro, um mundo tentador, escondendo a realidade, escondendo a dor de sentir o abandono pelo pai, seguido de nenhum apoio.
A fantasia ativa seu próprio sistema de recompensas, retroalimentando-se com o mínimo de prazer. Mesmo com nota 10, a criança não é percebida, não ganha parabéns, um abraço aconchegante de amor, isso não existe, não importa se estuda muito ou pouco, se sofreu bullying , parece bobo, sofrer ao ouvir da “turma” que sua beleza está entre as piores ou ouvir da tia que sempre é pior da classe, não importa se sofreu ameaça na escola ou o quanto deseja um carinho, o resultado é o mesmo; a solidão e o desprezo.
Essa criança não se vê com bons olhos, o seu momento de maior ternura acontece quando fica doente e torce para que isso aconteça. Isso não se encontra no texto que o professor mandou fazer, aliás o próprio professor não acreditou a priori que foi por uma criança, no texto vê uma projeção clara dos seus acontecidos, a dor física, psicológica, a simbologia.
Uma criança de 11 anos não consegue expressar tudo isso (já é difícil para um adulto), apenas sente, não sabe como elaborar, deixar fluir, para essa criança não importa se há muito ou pouco na mesa, se as contas estão pagas ou não, só queria algo simples, estar em contato, ser parte integrante, ter suas necessidades mais básicas atendidas, ter alguém que possa dividir a dor de sentir “desprezado”, antes o que o “fogo” consome o que lhe resta.