Por que os pais e os professores estão tão perdidos?
Educar um filho não é uma tarefa fácil. Principalmente nos tempos atuais, quando muitas coisas mudaram e se transformaram, e com isso os pais se veem cada vez mais perdidos. É o que evidencia a psicóloga Rosely Sayão, autora do livro “Educação sem blábláblá” (2016). Em entrevista à Carta Aberta, Rosely falou sobre os principais temas abordados no livro, como: a relação entre a família e a escola, a dificuldade dos pais de dizer “não”, a maneira de apresentar a tecnologia para as crianças, além de outros assuntos voltados para um convívio familiar e escolar mais saudável.
Sobre os ensinamentos dos avós que ainda são pertinentes e aqueles que precisam ser revisados, Rosely esclareceu que os ensinamentos que precisamos manter são aqueles gerais, relacionados a princípios e valores. Diz ainda que, independentemente das mudanças que ocorrem no mundo, do estilo de vida das crianças e jovens de hoje, é preciso ensiná-los a ser honestos, éticos, justos e respeitar os outros.
O que muda é a maneira de ensinar. Ela acredita que é a mediação que funciona bem, por exemplo, usar um filme para discutir determinada situação que está tendo repercussão nas mídias sociais pode ser um ponto de partida para conversar sobre os temas. Ela acrescenta que antes os pais só mandavam as crianças fazer ou não fazer algo, que uma coisa podia e outra não, enquanto hoje precisa haver uma conversa com atitude. Não só a conversa, mas sim as duas coisas juntas.
Sobre como a crise da autoridade dos pais tem dificultado a relação deles com os filhos, Rosely respondeu que a crise da autoridade começou faz tempo, mas que estamos vendo os efeitos disso na educação só agora, e que não é só a autoridade dos pais que está sendo contestada, é geral. Em relação aos pais, destaca a psicóloga, dizer “não” para o filho é apresentar a vida como ela é, e essa é a dificuldade dos pais, pois eles querem criar um mundo perfeito para seus filhos, porém esse mundo não existe! Ela conta que educar é isso, apresentar a vida e não dizer como viver.
Rosely também respondeu o motivo pelo qual dizer “não” é tão difícil. Segundo a psicóloga, muitos pais lhe perguntam sobre isso, e ela simplesmente responde para olhar para seus filhos e dizer “não”. Ela diz que, na verdade, os pais não querem bancar o que vem depois do “não”, como a birra, o choro, a revolta. Mas ela afirma que eles precisam bancar, pois essa é a função dos pais. Eles devem fazer com que a criança faça aquilo que é bom para ela, porque ela ainda não sabe. A criança só sabe do que ela gosta e não gosta.
A psicóloga ainda explicou o que pensa sobre atividades extraclasse desde muito cedo. Segundo ela, o individualismo e a competição estão no seu auge, em paralelo com o poder de consumo e que há uma geração educada dessa maneira, mas isso não está ajudando a melhorar o mundo, pelo contrário. Explica que está na hora de pensar nisso tudo e que se o mundo ensina a ser competitivo, é preciso dar uma vacina para seu filho, isto é, ensiná-lo a ser cooperativo.
Rosely conta que a relação entre a família e a escola é que uma é a perspectiva de mundo segundo a família, que é uma perspectiva privada, recheada muitas vezes de preconceitos, pré-julgamentos, convicções. Já a escola deveria oferecer ao aluno a visão de mundo na perspectiva do conhecimento. Sendo assim, o aluno poderá olhar para aquilo que aprendeu com os pais e pensar criticamente a respeito dele. Rosely ainda explica à Carta Aberta que, se não for assim, o mundo nunca muda, e os filhos vão repetir os pais e pronto! Ela ainda diz que, quando vê famílias buscando escolas que falam a mesma linguagem que eles, ela fica um pouco assustada, porque é como colocar a criança sob a ditadura de um pensamento único.
Sobre a possibilidade de a relação família-escola estar fadada a ser conflituosa, a psicóloga conta que em nosso país temos uma imagem pejorativa dessa palavra, mas que o conflito é sempre positivo, pois permite que visões diferentes encontrem o diálogo, podendo assim um modificar o outro. Para Sayão, hoje em dia, resolver um conflito significa confrontar, mas conflito não é convencer o outro da sua visão, mas também entender a postura e visão do outro.
Se deve haver diferenças na educação de menino e menina, Rosely respondeu que existe uma diferença entre educar um filho e outro, entre educar “Maria” e “Mariana”, pois cada filho é único, e isso é aprendido durante a trajetória para conhecê-lo. Ela explica que educar meninos é diferente de educar meninas, mas não no sentido dos preconceitos e estereótipos de gênero, mas no sentido de que educar cada filho é diferente. A psicóloga ainda conta que conheceu uma mãe que disse para ela uma frase que a fez pensar muito: “A maior injustiça que eu posso cometer com meus filhos é tratá-los da mesma maneira”.
A respeito de como a tecnologia deve ser inserida no cotidiano da criança e quais os limites, Rosely conta que é bom lembrar que a televisão já foi usada como babá eletrônica, porque, quando os pais precisavam de um pouco de sossego, ligavam a TV e as crianças ficavam encantadas. A psicóloga relata que a grande vantagem do tablet é que agora os pais conseguem fazer isso fora de casa, e que vê muito, em restaurantes, a família almoçando enquanto a criança mexe no tablet.
Porém, Rosely reforça que o bom senso ajuda nesses momentos, pois se você der um tablet ou celular para uma criança de 6 anos, ela verá aquilo como um brinquedo, mas é um brinquedo que não vai estimular a criatividade dela em nada. Ela conta que, a partir dos 7 anos, dá para usar muitos recursos interessantes, mas que não se deve esquecer que a infância — que vai mais ou menos até os 12 anos — deve ser usada para a criança explorar o mundo e todas as suas possibilidades. Assim como uma criança que fica o dia todo empinando pipa perde outras oportunidades, aquela que gasta seu tempo apenas em recurso tecnológico também, contou Rosely.