Este texto é para aquela pessoa que, assim como eu, anda se sentindo cansada, desconfortável na própria pele e deslocada no planeta.
São tempos estranhos. E nem digo isso somente pela pandemia que recém enfrentamos. Para mim, o mundo já andava esquisito antes da pandemia de covid-19, pois já enfrentávamos outras pandemias, mais silenciosas, porém igualmente mortais, penso eu.
Uma dessas pandemias veladas chega disfarçada de “empoderamento” ou, como já ouvi algumas dezenas de vezes: “são os novos tempos”, e confesso que essa afirmação me arrepia tanto quando ouvir de algumas pessoas que “ah, todo mundo vai morrer mesmo um dia”.
Por mais que seja uma verdade incontestável, já pensou se todos adotarmos essa frase como lema absoluto de vida? Poucos de nós passaríamos dos 16 anos, porque já que vamos todos morrer um dia, independentemente do que façamos, então para que vou me esforçar e sofrer todos os martírios da vida adulta?
Não faz sentido. Assim como não faz sentido arriscar a vida pegando um vírus perigoso só porque um dia vamos morrer mesmo, também não faz sentido usar o empoderamento e o amor-próprio para mascarar os sintomas da pandemia do “desapega”, que traz sintomas gravíssimos, como falta de empatia, insegurança, autoestima defasada, confusão mental e agressividade.
É uma pandemia do desamor, em que as pessoas lutam para não se apegar a nada nem ninguém, e quanto mais solitário e autossuficiente você aparentar ser, mais status e “seguidores” você ganha.
São tempos estranhos, líquidos. Amores que poderiam ser grandes histórias e histórias que poderiam virar grandes amores, que simplesmente nem começam. Porque para se começar algo é preciso, em primeiro lugar, permitir e, em segundo lugar, querer, e os contaminados pelo vírus do desapego não querem nem sequer se permitir querer.
Ah, eu ando tão absolutamente nostálgica, especialmente neste último ano. Saudade da simplicidade do amor, de quando conhecíamos uma pessoa em um lugar público e nos encantávamos pelo sorriso dela ou pelo jeito tímido com que ela mexia no cabelo. Só isso.
Sem analisarmos seu “feed”, sem sabermos dos seus 180k seguidores, sem tirarmos pré-conclusões baseadas em fotografias, sem escolhermos a mais bonita dentre tantas opções perfeitamente expostas na vitrine da vida, ops, das redes sociais.
Saudade de quando a minha rede social era com meus amigos do colégio, embaixo da escada, entre uma aula e outra, combinando na casa de quem seria a baladinha do fim de semana.
Se esses são os novos seres humanos (multitarefas, multifacetas, multirrelacionamentos e multisozinhos), se esses são os “novos tempos”, eu só tenho uma certeza: de que minha alma é velha.
Eu tenho uma alma antiga e sofro por não conseguir me adaptar a este novo formato de mundo. Eu tento responder às minhas multimensagens no WhatsApp o mais breve que consigo, mas não gosto, não tenho o menor saco para WhatsApp, para lindas fotos pausadas (e posadas) em feeds minuciosamente organizados.
Eu gosto do play! De dar play em uma conversa ao vivo e só parar quando o dia está amanhecendo. Dar play nas risadas dos amigos, no “mood” fim de semana em plena quarta-feira. Eu gosto de me desconectar das redes para cair no sono em uma rede na sombra, depois do almoço…
Eu tenho uma grande dificuldade em engatar papos cheios de emojis e sem emoção alguma. Nesse distanciamento social e afetivo, que já vem acontecendo há muito tempo.
Minha alma vem de um tempo que não havia tanta perversidade explícita e gratuita, em que o egocentrismo não imperava soberbamente, usado como “status” de uma sociedade que emprega o amor-próprio como punição e a liberdade tão batalhada e adquirida ao longo das décadas como instrumento de tortura.
Em que exigem condutas impecáveis de participantes de um reality show, mas não se para 2 minutos para ajudar um vizinho com as sacolas do supermercado.
Em que se perde metade de um dia acompanhando a vida de estranhos, mas não se tem 5 minutos para ouvir um parente que está mal… Em que a competitividade se tornou desleal e nos matamos para mostrar a mais uma leva de desconhecidos, que provavelmente nunca veremos na vida, que somos invencíveis, incansáveis, imbatíveis.
Ao meu ver, estamos nos tornando impenetráveis, inamoráveis e “invivíveis”, inaptos para continuar a ser chamados de “humanidade”. Saudade. Ai que saudade de me sentir em casa. De repente, parece que não existe mais lugar para mim neste mundo.