Em um marca-página, o pai deixou um emocionante recado ao filho, dizendo o quão orgulhoso estava dele.
A perda de um ente querido deixa marcas profundas, nem sempre visíveis, mas que acompanham a pessoa por toda sua jornada. Quanto mais fortes os laços, mais difícil é compreender a morte, esse acontecimento ainda tão cheio de dúvidas e mistérios, fazendo com que os silêncios, muitas vezes, se tornem insuportáveis.
Sabemos que cada pessoa é única, com sua personalidade, seus trejeitos, suas manias, a forma como anda e como inunda um ambiente com a sua presença assim que chega. É exatamente por isso que se torna impossível substituir alguém. Todos os que passam pelo processo de luto sabem muito bem que a jornada a ser enfrentada depois da perda é longa e árdua, reservando momentos de profunda solidão e, ao mesmo tempo, de compreensão.
Não existe uma única forma de sentir o luto, muitos afirmam que existem estágios pelos quais as pessoas acabam passando, como a “negação” e a “aceitação”, por exemplo, mas tudo isso vai depender de uma série de fatores. A forma como a morte aconteceu, a relação que existia entre a pessoa que faleceu e seus amigos e familiares, e até como costumava viver a vida, tudo isso pode influenciar diretamente em como os outros vão sentir sua perda.
Tampouco existem cobranças quando o assunto é sentimento. Não existem regras ou limitações, não é preciso chorar nem mesmo parar de chorar, porque cada um sabe melhor o que está passando.
Quando a morte acontece de maneira trágica, invariavelmente sentimos como se aquela pessoa tivesse sido arrancada de nós, como se a sua vida tivesse sido interrompida por outros, sempre querendo buscar um culpado ou justificativa que nem sempre vamos conseguir encontrar.
Ainda é difícil falar sobre a morte, é difícil enfrentá-la e tentar ser uma pessoa inteira, íntegra e feliz, porque, afinal, o que é a felicidade? Podemos resumi-la a pequenos momentos, a novas experiências ou mesmo a conquistas, mas ainda assim pode ser que estejamos longe de entender. Caso esteja passando por um momento complicado pela perda de alguém, saiba que conversar pode ser uma das melhores formas de lidar com a situação, buscar um terapeuta ou falar com pessoas próximas ajudam a desaguar todas as mágoas.
Nessa tentativa de compreender, ou apenas de tentar lidar com o fato, o artista Zé Caetano compartilhou uma foto em seu perfil do Instagram mostrando uma tatuagem em homenagem ao seu pai, que morreu há cerca de três anos. Uma frase que, em um primeiro momento, parece sem pretensão, se revela emocional e fisicamente importante tanto para o filho quanto para quem vê.
Em um marca-página, o pai de Zé Caetano escreveu uma potente mensagem, dizendo que o filho tinha o costume de dizer que um dia seus pais sentiriam orgulho dele. Ele explica que, durante toda a sua vida, sentiu orgulho. Com a mesma grafia e os mesmos espaçamentos, o jovem tatuou na pele aquelas frases, carregando literalmente na pele um pouco da delicadeza dos sentimentos de um pelo outro.
Na legenda, o artista escreveu que continua lendo os livros que um dia o pai comprou para ele, além de comprar muitos outros, o que provavelmente seria outro motivo de felicidade para o patriarca. Zé disse que sente muito a falta dele e que as galinhas que a família cria estavam bem, com um vídeo também mostrando-as.
O pai de Zé Caetano faleceu em janeiro de 2019, em um acidente de carro, deixando esposa e dois filhos. O processo de luto do filho, que documentou algumas partes em suas redes sociais, foi difícil e doloroso. Pensando muitas vezes em desistir e sem vontade de sequer se levantar da cama, em agosto do mesmo ano, o artista decidiu fazer um caderno de motivos e ir às ruas tentar entender o que faz com que as pessoas estejam em movimento.
Com um cartaz escrito “Por favor, me dê motivos para não desistir”, ele conheceu pessoas pelas ruas de Niterói (RJ), descobriu histórias, inclusive de pessoas que já pensaram ou ainda pensam em desistir. Ouviu algumas palavras de conforto, outras que sacodem, que é preciso lembrar das pessoas que ficam e nunca esquecer das que partiram, que nem sempre é fácil compreender o que nos reserva…
O pé de jabuticaba que o pai tanto amava, a vontade da mãe de plantá-lo em sua casa, uma dança compartilhada no Natal, as fotos analógicas, as mensagens de amor em marca-páginas aleatórios. Toda vez que sente saudade do pai, Zé carimba o local onde está com “Pai?”, no que ele afirma ser parte de um ritual de concretização da saudade nos muros, nas ruas, nos ônibus, nas rodoviárias, na faculdade e na vida.
Em outubro deste ano, Zé Caetano apresentou, via Zoom, uma cena de cerca de 20 minutos chamada “ABERTURA DE PROCESSO: PAI”, na 9ª edição do Festival Integrado de Teatro da Unirio, “Subvertendo o fim do mundo”. A apresentação foi gratuita para poucas pessoas, e o artista afirmou que, em quase três anos, uma das únicas coisas que tem certeza é de que não é mais a mesma pessoa.