A forma de ensinar pode ser um “divisor de águas” para as crianças que desejam aprender!
Sabemos que o estudo é uma das coisas mais importantes da sociedade, pois é por ela que nos formamos como indivíduos críticos, que pensam e agem. Com o estudo, as pessoas podem chegar a lugares inimagináveis, transformando sua realidade, a realidade da sociedade e também daqueles pelos quais ela se esforça para ajudar.
É notável que algumas escolas têm pensamentos retrógrados, fazendo os alunos regredirem em vez de inspirá-los a aprender de fato. Segundo uma pesquisa do Inside Higher Ed, uma plataforma de notícias, análises e soluções para a comunidade de ensino superior, as notas contribuem para motivação extrínseca, em que o prazer de aprender diminui e o medo do fracasso aumenta.
Assim, em praticamente todos os lugares, as provas e seus resultados são colocados como o único meio de saber se o aluno está aprendendo ou não. Porém é um erro pensar assim, já que ao invés de inspirar os alunos a aprender, deixam-nos ainda mais inseguros, medrosos e ansiosos quanto ao próprio futuro.
Além disso, o processo de avaliação das escolas, em sua essência, visa identificar as falhas no aprendizado do conteúdo, e muitas vezes o professor espera que o aluno responda a frases extraídas de livros, que são memorizadas com facilidade, mas nunca aprendidas como deveriam ser. É preciso entender, raciocinar e principalmente reproduzir os conteúdos ditos nas aulas para aprofundar o conhecimento e, finalmente, fazer com que o assunto seja realmente captado pelo aluno.
Não adianta o adulto torturar a criança e chamar de educação! Alcançar as notas máximas não deveria ser a única avaliação nas escolas, pois na sala de aula, no dia a dia, o aluno dá indícios claros de que está aprendendo ou não. Enchê-lo de tarefas de casa e privá-lo de momentos livres no fim de semana, por exemplo, só fazem com que fique “preso em sua gaiola”, memorizando frases prontas para “provar” o que sabe e não reprovar na disciplina.
É preciso visualizar o todo para então entendermos que a educação poderia ser muito mais simples e moderna. Os alunos não são somente um pedaço de papel com respostas. É preciso prestar atenção nos detalhes, como a participação e o empenho do aluno, seus interesses e inspirações, para assim enxergar resultados genuínos do seu desenvolvimento escolar.
Além disso, os erros na vida acadêmica são fundamentais para diminuir o “senso” de perfeição que muitos têm inconscientemente. A vida não é perfeita! Todo aluno precisa cometer erros para aprender a lidar com a frustração e não ser uma pessoa ansiosa, que busca incansavelmente a perfeição. Na vida profissional, ele comete erros, por isso é preciso desde cedo aprender com as falhas.
Refletindo sobre a crônica de Rubem Alves, vemos que o perfeito não existe e torturar não funciona! Os professores precisam conduzir seus alunos em seus erros e acertos, pois isso servirá como estímulo para superá-los. Novas fórmulas e jeitos de ensinar os conteúdos muitas vezes massivos também são uma opção agradável para o aluno aprender da melhor forma possível, pois existe algo muito além de respostas corretas e incorretas!
Infelizmente, quando as crianças não se encaixam no “normal” esperado, “provando” seu sucesso e aptidão nas provas e tarefas propostas pela escola, os professores são levados a se reportar aos pais, os quais iniciam um processo clínico para entender o que há de “errado” com a criança, quando na verdade são os processos retrógrados escolares que não entendem o que está escancarado.
Crônica completa de Rubem Alves
“Os grandes contra os pequenos”
Vou contar uma história que aconteceu de verdade, sobre um menininho de 8 anos, meu amigo. Em visita, perguntei pelo Gui aos pais. Sua mãe me segredou, preocupada:
— Não vai bem, não. Na escola, o orientador educacional nos chamou. Problemas de aprendizagem, desatenção, cabeça voando, incapacidade de concentração. Até nos mandou para um psicólogo.
Fiquei surpreso. O Gui sempre me parecera um menininho alegre, curioso e feliz. O que teria acontecido?
Sua mãe continuou:
— O psicólogo pediu um eletroencéfalo… Aí me assustei. Imaginei que o Gui deveria ter tido alguma perturbação neurológica grave, algum desmaio, convulsão…
— Não. Não teve nada, a mãe me tranquilizou. Mas o psicólogo pediu. Nunca se sabe… Até ele não aceitou o exame no lugar onde mandamos fazer. Pediu outro.
Fiquei imaginando o que deveria estar se passando na cabeça do Gui. Pai e mãe indo conversar com o orientador, entrevista com o psicólogo. Depois aquela mesa, fios ligados à cabeça. Claro que alguma coisa deveria estar muito errada com ele. Tendo visto tantos desenhos de ficção científica na TV, é provável que ele tivesse pensado que, quando a máquina fosse ligada, os seus olhos iriam acender e piscar como luzinhas de diversões eletrônicas.
Não vi o Gui lá pela casa. Era sábado, dia lindo, céu azul. Com toda certeza estaria longe, empinando uma pipa, jogando bolinhas de gude, rodando pião, brincando com a meninada. Dia bom pra vadiar, coisa abençoada pra quem pode. Pelo menos é isto que aprendi dos textos sagrados: que o Criador, depois de fazer tudo, descansou no sábado.
Mas não, ele estava estudando! Foi aí que eu comecei a ficar preocupado. Assentadinho, no quarto, livro aberto à sua frente. Começamos a conversar e ele logo contou o que o afligia:
— Tenho de fazer dezoito pontos e meio, porque senão fizer, fico de recuperação. E isto é ruim, pois estraga as férias… Lembrei logo do ratinho preso na caixa. Se pular alto que chegue, ganha comida. Se falhar, leva um choque. O seu pêlo fica arrepiado de pavor com medo do fracasso…
O Gui ficou doente. Fizeram-no doente. Eu não sabia o que é que os tais dezoito pontos e meio significavam. Mas compreendi logo que eram o limite abaixo do qual vinha o choque. O Gui já aprendera lições não ensinadas: que o tempo se divide em tempo de aflição e tempo de alegria, escola e férias, dor e prazer. E a professora ainda queria que ele se concentrasse e gostasse da coisa… Mas como? A cabecinha dele estava longe o tempo todo, pensando em como seria boa a vida se a escola também fosse coisa gostosa. Desatenção na criança não quer dizer que ela tenha dificuldades de aprendizagem. Quer dizer que há alguma coisa errada com a escola e que a criança ainda não se dobrou, recusando-se a ser domesticada… Continuamos a conversa e ele começou a falar de uma forma estranha. Não aguentei e interrompi:
— Que é isto, Gui? Por que é que você não fala morro abaixo e morro acima, em vez de aclive e declive?
— Mas a professora disse…
Compreendi então que a pinoquização já se iniciara. Um menininho de carne e osso já não usava mais as próprias palavras. Repetia o que a professora dissera… Fiquei pensando em quem é que estava doente: o menino ou a escola. Claro que o ratinho tem que ficar de pelo arrepiado, pois o choque vem. E eu pergunto se não está mais doente ainda quem dá o choque, e no caso, é a escola. Surpreendi-me com esta enorme e perversa conspiração entre a direção das escolas, os orientadores, os psicólogos. Todos unidos contra a criança. O orientador, coitado, não tem alternativas. Se se aliar à criança, é criticado. Ele é o ideólogo da instituição, encarregado de convencer os pais, por meio de uma linguagem técnica, que tudo vai bem com a escola. E que é melhor que eles cuidem da criança.
— Até que ela não é má. Só está tendo problemas. Seria bom levá-la a um psicólogo.
O psicólogo, por sua vez, fica atrapalhado. Que é que vai fazer? Desautorizar o diagnóstico de uma rara fonte de clientes? Melhor fazer um eletro. Fios gráficos dão sempre um ar de respeitabilidade científica a tudo… Lembrei-me da velhíssima história do cliente que chegava ao analista e dizia que havia um jacaré debaixo de sua cama.
— Sua cama não está na beirada da lagoa, está? Então não há jacaré nenhum debaixo da sua cama. Volte para casa, durma bem… E assim foi, semana após semana, até que o tal cliente não mais voltou. O analista ficou feliz. O tipo deveria ter se curado da estranha alucinação. Até que, um dia, encontrou-se na rua com um amigo do homem do jacaré e soube que ele fora comido por um jacaré que morava debaixo de sua cama!
Há muitas escolas que não passam de jacarés. Devoram as crianças em nome de rigor, de ensino puxado, de boa base. É com esta propaganda que elas convencem os pais e cobram mais caro. Mas, e a infância? E o dia que não se repetirá nunca mais? E os sonos frequentados por pesadelos de dezoito pontos e meio, recuperação, férias perdidas e palavras de ventríloquo? Escolas jacarés, que as crianças têm de frequentar, e quando começam a demonstrar sinais de pavor diante do bicho, tratam logo de dizer que o bicho vai muito bem, obrigado, que é a criança que está tendo problemas, um foco cerebral certamente precisando de neurologista, psicólogo, psicanalista, e os pais vão, de angústia em angústia, procurando ajuda, querendo o melhor para o filho.
Quanto a mim, considero que isto não passa de crueldade dos grandes contra os pequenos. Torturá-los agora, em benefício daquilo que elas poderão ser um dia, se caírem nas armadilhas que os desejos dos grandes para elas armam.
Não, Gui, fique tranquilo. Está tudo certinho com você. São os outros que deveriam ser ligados a fios elétricos até que os seus olhos piscassem como se fossem lâmpadas de brinquedos eletrônicos…