A tradição é japonesa, mas eu fazia isso antes mesmo de saber que era um costume oriental: limpar as gavetas, leia-se, fazer uma limpeza geral em papéis, roupas, coisas e sentimentos, no final do ano, para garantir uma boa passagem.
Limpar as gavetas, organizar a casa, o escritório, tudo deixa nossa sensação de leveza e bem estar renovados, com espírito de “pode começar mais um ano, porque já estou pronto… para o que der e vier…”. E lá vamos nós, com energia suficiente começar tudo de novo. Até chegar o fim do ano e limpar as gavetas outra vez. E vivemos este ciclo de entulhar e limpar. Acumular e jogar fora. Guardar e deixar para trás.
Parei de limpar as gavetas no final do ano. Parei de fazer a limpeza geral, no fim do ano. Era quase uma limpeza suicida. Que em vez de me fazer começar o ano leve, me cansava. E eu percebi que assim como Papai Noel não existe, também não existe a simpatia de deixar a louça limpa, para lavar menos louça durante o ano. Deixar toda a roupa lavada para ter menos roupa suja durante o ano.
Balela!!!
Tudo balela!
Porque as roupas não diminuem, nem pra lavar, nem pra passar. Porque não podemos sair pelados. Poder até podemos, mas… Custa mais caro do que usar, sujar, lavar e passar de novo. A louça não diminui. E tem dias, inclusive, que acumula mais.
- Pessoas inspiradoras: Órfã que vive em abrigo entra na faculdade: “Educação vai me tirar da rua”
Parei de limpar as gavetas, organizar os armários, doar coisas, jogar fora outras tantas… Das gavetas aos e-mails. Das prateleiras às mensagens. As boas e as ruins. Porque não vale a pena ficar acumulando… Palavras que ferem.
Há quem guarde tudo. Pra posteridade… Cada um com a sua mania. Eu não guardo mais. Se é roupa, uso até rasgar e poder jogar fora. Uso até não servir mais e poder doar. Se é louça, uso até cair e quebrar. E assim, ser menos uma pra lavar. Se são palavras. Posso não apagar da memória, mas de onde poderia relê-las, ah, já não fazem mais parte. Ainda chega a hora em que as palavras serão substituídas por novas memórias. Porque também chega o instante em que não cabe tudo. Seleção natural do tempo.
Não espero mais pelo fim de ano para organizar nada. A organização mantém o ambiente livre de situações que possam me atrasar, atrapalhar ou impedir qualquer movimento. E a limpeza das gavetas, acontece todo final de dia. Deleto as ligações. As mensagens. As imagens. Fazendo uma retrospectiva de cada momento. Sorrindo com os bons e dizendo que os demais tiveram lá seu nível de importância. Então… Dormir torna-se o virar de uma página. O dia seguinte…
Bem, o dia seguinte é uma folha em branco, à espera: de palavras que não sejam repetidas, duma lista de coisas boas para realizar, de pessoas para nos relacionar e de cores que sejam vibrantes.