“Que animal caminha com quatro pés pela manhã, dois ao meio-dia e três à tarde e é mais fraco quando tem mais pernas?” Édipo, filho do rei de Tebas e assassino inconsciente de seu próprio pai, solucionou o mistério, respondendo: “o homem, pois ele engatinha quando pequeno, anda com as duas pernas quando é adulto e usa bengala na velhice”.
Ah, o envelhecer…destino dos que não serão interrompidos.
Em uma semana, ouvi dois grandes amigos contarem-me sobre seus respectivos pais que encaram o tempo e o envelhecimento de forma completamente dependente. Ambos acamados, em casa ou em uma clínica, eles passam os dias sobrevivendo enquanto são limpos, alimentados e medicados. Chegaram ao “murchar da planta” perdendo, dia após dia, as forças, a serenidade e a lucidez.
Sempre quis chegar ao fim desta viagem lúcida, mas, ao ouvir aqueles relatos, pela primeira vez, a perda do pleno gozo das faculdades mentais pareceu-me tentadora. Vi meu avô paterno partir praticamente lúcido e me dizer que o maior desafio da vida foi perceber que seu corpo havia envelhecido, mas sua mente não. A lucidez ali, para mim, talvez fosse desnecessária, já que os dias foram passados tal qual um recém-nascido: no leito, vestindo fraldas e recebendo alimentação líquida.
A vida é um sopro que nos levará inevitavelmente para o fim da linha. A não ser que algo interrompa o fluxo natural da vida, murcharemos até morrer este nosso corpo, como qualquer planta ou animal de outra espécie. Contaremos, então, com os vínculos que tivemos para que nos troquem as fraldas, nos deem o leite, nos lavem o corpo – e, se possível, como disse Fabio de Mello, nos coloquem e nos tirem do sol. Serão os outros que poderão ou não fazer algo por nós, sejam estes outros quem forem, remunerados ou não, conhecidos ou não. Dependeremos de alguém que se compadeça, que se comprometa ou que seja remunerado para que nos garantam a sobrevida. Talvez estejamos lúcidos, talvez não.
Acredito que nenhum de nós quer “dar trabalho” aos outros, mas a verdade é que algum certamente daremos, uns mais, outros menos, por mais ou menos tempo, entretanto, não se chega à própria cova sem que outras mãos nos levem.
E o meu olhar sobre as pessoas, hoje, mostra-me poucos vínculos e pouca consciência, principalmente dos mais jovens, desta finitude que alguns pensam não existir. A intolerância, o senso de autossustentação e de eterna juventude, a valorização de coisas e ideias que não cultivam afeto, têm feito de alguns indivíduos seres solitários, amargurados em seus próprios mundos e sujeitos a um fim de jornada triste, quando tiverem tomado a consciência de que afastaram de si todos os que poderiam ter-lhe oferecido algum acalento.
Não se cultiva mais o vínculo, o afeto, a família (e aqui falo de qualquer tipo estrutural de família), os amigos. As relações, que antes superavam as diferenças, hoje são interrompidas porque um não tolera mais o que o outro pensa ou diz. Alguns extremistas colocam em primeiro (e único) lugar a sua ideologia, rompendo, se preciso for, laços de amizade ou mesmo de cordialidade. A cultura do ódio e o discurso do “Fla X Flu” está sendo avassalador aos que ainda insistem em viver como precisamos: em pequenos bandos nos quais possamos nos ajudar, cuidar uns dos outros e, principalmente, amar.
A verdade é que alguns acham que nunca vão envelhecer e que carregam alguma importância neste mundo. Saem por aí discursando sobre o que quer que seja, porque se negam a enxergar seus lares vazios, suas relações escassas e seus traumas psíquicos.
Carregam vidas cujas histórias colecionam fracassos em relacionamentos afetivos e sociais. Nas gavetas, não há lembranças, nem fotos, nem sequer aquele brinquedo da infância. Não guardam em suas caixas os papeis de bala, os ingressos daquele primeiro show a dois, a rolha do vinho tomado na data comemorativa, tampouco as roupinhas do batizado.
Não, não estamos mais ensinando nossos descendentes a fazer sua história, que dura menos de cem anos, de forma anônima. Não damos mais valor algum àquele móvel de madeira maciça que foi da nossa avó.
Hoje em dia, “tornou-se bonito ser feio”. O que vale é gritar para alimentar o ego, seja em discurso raso e agressivo, em selfie carregado de filtros, ou em carreiras profissionais belíssimas que tentam esconder os buracos do nosso fracasso como gente.
E, lá no final, quem irá estar ao seu lado? Quem ouvirá sua lucidez ou seus devaneios senis? Quem estará ao seu lado para se lembrar dos momentos passados? Quem ouvirá cem vezes a mesma história? Quem você conheceu? Quem você amou? Quem te ama?
A vida começa e termina na família; se você não tem uma, construa-a e caminhe com ela até o fim.
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