Eu tenho meu lado bom. E meu lado ruim também.
Gosto e preciso desses dois lados.
Não saberia viver sem um deles. Nem mesmo consigo imaginar-me, sendo totalmente boa ou totalmente má.
Às vezes, tento manter esse meu lado bom por mais tempo, mas o meu lado ruim zomba, alertando-me de que estou não só com cara de tola, mas agindo tolamente. E, muitas vezes, meu lado ruim tem razão. Ele é o meu lado esperto, com uma ótica clínica, analítica, sem emoção e sem deixar o coração opinar.
Coração é a moradia da bondade. A maldade pode até passar por lá, numa visita rápida, mas não fica.
Bondade e maldade não vivem sob o mesmo teto. Embora minha maldade seja preciosa, a minha bondade não deixa que ela tome todo o espaço.
Não aceito acordar todos os dias, rugindo como uma leoa, ou batendo no peito, como um gorila enraivecido antes da luta.
Às vezes, permito que minha maldade caminhe de braços dados com minha bondade, como amigas íntimas, embora tão diferentes. E dialogamos, cada uma defendendo sua visão sobre tudo e todos.
A minha maldade tem qualidades admiráveis. Ela não é cruel. Ela é apenas uma rebelde que ironiza as falhas e fraquezas humanas. Tem um humor negro, que usa constantemente para ridicularizar a bondade. É dotada de uma personalidade forte e não gosta de ser contrariada. E nem deveria, pois ela está sempre correta até nos detalhes que a bondade descarta, chamando de absurdos!
Minha maldade muitas vezes se enfureceu contra minha bondade, fazendo-a encolher-se, envergonhada, e sem respostas que justificassem seus atos. E, depois, aquietaram-se as duas; a bondade afogando-se em autopiedade, e a maldade dizendo: “Bem que te avisei…”.
A minha maldade é como um soldado imbatível, alerta o tempo todo ao que cerca minha bondade.
Já, a minha bondade é frágil, confiante, e ingênua. Quer abraçar o mundo e varrer dele a dor. E, por ser assim toda coração, muitas vezes é ferida — o mundo é cheio de pessoas que pegam carona na bondade e dela abusam, como oportunistas impiedosos.
Portanto, quando a minha bondade chora abundantemente, por ter sido atraiçoada, é a minha maldade que lhe diz palavras de encorajamento.
A maldade não abraça, não chora e nem se comove. Ela não foi programada para isso. Ela age como um líder, determinado e corajoso, que não aceita a covardia e o medo. É pragmática e, muitas vezes, chamada de grosseira, por ser tão direta.
A minha maldade olha para a minha bondade chorosa, e lhe diz: “Levanta do chão! Já és naturalmente ridícula sem chorar e, chorando, tu te tornas refém de quem te feriu. É isso que tu queres? Dar poder ao mal do mundo, inclinando-te, derrotada?!”
E a minha bondade levanta-se, sentindo que a raiva e a revolta a empurram para longe. Parte, silenciosamente, pois em mim, agora, só há ira. Ela sabe que precisa se afastar, enquanto junto meus cacos e me fortaleço. A minha bondade reconhece que, nesse momento de profunda dor, a única coisa que irá me manter de pé é a minha maldade, com suas repreensões que beiram a bondade.
São esses dois extremos que me formam, não me deixando ser: nem tão boa nem tão má…
Mas apenas humana!
Mari Marques
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