A estudante e influencer Franciane Andrade, de 23 anos, que denunciou ter sido dopada e estuprada no Rodeio de Jaguariúna, disse nesta quinta-feira (9) que foi desacreditada nas delegacias de Mogi Guaçu (SP) e Jaguariúna (SP) e revelou a preocupação da médica ginecologista que a atendeu ao ver a gravidade das lesões que indicam violência sexual.
“Ela [ginecologista] ficou impressionada com as lesões, que eram muito graves”, disse Franciane.
Antes, Franciane só havia se pronunciado nas redes sociais – quando afirmou ter sido vítima do golpe conhecido como “Boa noite, Cinderela” e agradeceu às manifestações de apoio – ou por meio de advogadas.
A promotora e idealizadora do Projeto Justiceiras, que acompanha Franciane e outras mulheres vítimas de violência, também esteve no programa e relatou que o abuso sexual constatado no corpo da influencer foi muito grave.
“Ginecologista […] ficou impressionada com as lesões sexuais apresentadas por uma menina que foi se divertir numa festa, cuja família estava aguardando ela em casa, e chegou estuprada e drogada”, disse Gabriela Manssur.
Polícia não pediu exame toxicológico
O exame toxicológico não foi solicitado pela Polícia Civil, segundo Gabriela. Por isso, a jovem fez o teste posteriormente, por via particular, com o auxílio do Projeto Justiceiras. O resultado, ainda conforme a promotora, constatou a presença da substância que dopou a jovem no golpe conhecido como “boa noite, Cinderela”.
“Isso foi importante, essa comprovação, porque nós conseguimos no último dia. Conversei com o médico psiquiatra que é especialista em álcool e droga, Artur Guerra, e ele disse que até o sexto dia daria para pegar qualquer tipo de substância”, alegou.
Gabriela disse, ainda, que profissionais especializados explicaram a ela que, com a droga do “boa noite, Cinderela”, a vítima não perde a capacidade motora, mas perde a capacidade psíquica e fica incapaz de reagir a um ataque sexual.
“Por isso às vezes filmam e falam: ‘não, ela estava andando normalmente’. Sim, ela estava andando normalmente, como se estivesse no piloto automático, mas ela não estava nem sabendo onde ela estava, com quem ela estava, o que ela estava fazendo. E depois dá um apagão, e elas não vão se lembrar de muitas coisas, não vão se lembrar de nada”, disse.
Desacreditada na delegacia
A jovem relatou que começou a passar mal ainda no domingo, dia 28 de novembro, e procurou uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) após ter percebido sintomas e dores pelo corpo.
“Eu comecei a desconfiar depois que, no mesmo dia que aconteceu o fato, eu fui na UPA, que é um atendimento super-rápido. Estava passando mal, vomitando o tempo todo, meus pais foram comigo até a UPA. Na segunda à noite, comecei a sentir fortes dores no pé da barriga e na musculatura da vagina”.
Franciane contou que, ao procurar ajuda nas delegacias, teve o relato sobre ter sido dopada e estuprada desacreditado. Ela também reclama da forma como o registro do boletim de ocorrência foi conduzido e por ter prestado depoimento desacompanhada.
“Fui muito mal recebida na delegacia. Desacreditaram da minha palavra. Relataram o B.O ali do jeito que a escrivã queria, não deu apoio nenhum. Depois que fui lá de novo, que souberam do relato do legista do IML, a Delegada Gisele me ajudou muito, que é de Mogi Guaçu, e agradeço muito a ela também”, disse.
A jovem relatou que os pais não puderam a acompanhar em momento nenhum e ela saiu da sala chorando.
“As vítimas de violência, está até na Lei Maria da Penha, devem ser acompanhadas sempre de alguma pessoa, de familiar ou de até uma assistente judiciária, para que não haja nenhum tipo de constrangimento ou revitimização, perguntas que não dizem respeito ao processo, mas que dizem respeito ao comportamento da vítima”, explicou a promotora.
Franciane relatou, ainda, ter sofrido uma ameaça na delegacia de Jaguariúna, que hoje é responsável pela investigação do caso.
“Me trataram muito mal também, sempre desacreditam da mulher, não acreditam em nada que a gente fala. Também sofri ameaça lá, falou assim: ‘cuidado porque eu também sou segurança de lá’. Uma mulher falou pra mim”, relatou.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) afirmou que o caso está em segredo de Justiça e, por isso, não dará detalhes.
Apoio da família
O pai de Franciane também esteve no programa Encontro nesta quinta. José Ricardo reclamou que, além do Projeto Justiceiras, a influencer e a família não têm recebido respaldo de mais ninguém, inclusive do Rodeio de Jaguariúna (leia mais abaixo o que diz a organização da festa).
“É difícil, até a gente falar. Somos pessoas humildes. A gente quer justiça, a gente quer esclarecer isso aí. Até agora não tivemos respaldo de ninguém. Só das Justiceira, que estão nos ajudando”.
“O rodeio, soltaram umas notas dizendo que entraram em contato, estão ajudando nós. Até agora ninguém ajudou nós em nada. Eu tô indignado porque, graças a Deus, a gente estamos de pé porque a gente crê muito em Deus, somos evangélicos. É difícil”, lamentou.
O pai da influencer ressaltou a coragem da filha e o apoio que a família tem prestado a ela desde o início da situação.
-“Difícil demais, porque as lesões foram muito graves. E tem muitas pessoas que não tem coragem de relatar o que ela está relatando. Acho muito corajosa a atitude dela e a gente apoiar ela neste momento, porque tem muitos pais que não apoiam. Põe até os filhos pra fora quando acontece uma coisa dessa ai, e a gente quer que não aconteça com família nenhuma mais um negócio desses.”
Como estão as investigações?
O caso é investigado em segredo de justiça pela Delegacia de Jaguariúna. A Polícia Civil informou, nesta quinta, que ainda analisa as 53 câmeras de segurança disponibilizadas pelo Rodeio de Jaguariúna, além das imagens de circuito de ruas da cidade. O conteúdo de ambas não foi revelado.
A respeito das audições de testemunhas, além das três pessoas que estiveram com Franciane na festa – sendo duas mulheres e um homem que esteve com a influencer após o evento -, ouvidas no dia 1º de dezembro, um rapaz que esteve com a influencer no rodeio também foi ouvido pela Polícia Civil na última sexta-feira (3).
esta quarta-feira (8), conforme a polícia, mais duas mulheres foram ouvidas. A instituição diz que são pessoas que estiveram com a influencer antes e depois da festa. O conteúdo de nenhum dos depoimentos obtidos até o momento foi revelado.
No último sábado (4), Franciane usou as redes sociais para dizer que o estupro foi novamente atestado por outra médica e que o exame toxicológico – ambos os procedimentos feitos por via particular, através de um projeto que presta assistência às mulheres vítimas de violência sexual – ao qual foi submetida teria confirmado a presença da droga conhecida como “boa noite, Cinderela”.
A Polícia Civil informou que ainda não recebeu os laudos destes procedimentos feitos de modo particular. Procurada, a defesa de Franciane explicou que é um procedimento do Projeto Justiceiras encaminhar os laudos de exames feitos pelas vítimas atendidas diretamente ao Ministério Público (MP), já que entendem que é a autoridade que deve proceder com a análise do documento.
Para a Polícia Civil, submeter os resultados diretamente ao MP prejudica o andamento do caso, já que é a Polícia Civil a responsável pelas investigações. A instituição diz que não deve solicitar os laudos, já que os exames são particulares, e que aguarda o envio, caso a defesa o faça.
O que diz o Jaguariúna Rodeo Festival?
Nesta quinta, a posição da organização da festa é que o rodeio aguarda a conclusão das investigações e segue à disposição da Polícia Civil.
Em nota, o Jaguariúna Rodeo Festival também reforça que entrou em contato com Franciane logo que soube do ocorrido para prestar o suporte necessário e colocou toda a operação do evento direcionada à busca de elementos que ajudem as autoridades policiais a encontrarem os responsáveis pelo ocorrido.
“Na segunda-feira (6), o corpo jurídico do evento conversou com a advogada de Franciane e também se colocou à disposição para que tudo seja esclarecido. Todo o material foi fornecido às autoridades policiais, que avaliaram imagens das 53 câmeras espalhadas pelo recinto para que fosse possível reconstituir o episódio e identificar os culpados. O evento contava com um efetivo de mais de 400 seguranças treinados e com registro na Polícia Federal para preservar a integridade dos clientes“, diz.
Há outras vítimas?
Após relatar a própria denúncia, Franciane repostou nos stories as publicações de outras mulheres que suspeitavam ter sido dopadas no Jaguariúna Rodeo Festival. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que, até quarta-feira (8), a Polícia Civil não havia recebido nenhuma denúncia formal além da feita pela estudante e influencer.
“Depois que o caso dela [Franciane] veio à tona, outras vítimas, possíveis vítimas, já nos procuraram, já procuraram a Fran, mas estão com medo de denunciar, estão com vergonha. Acabaram aí fazendo os exames, mas não fizeram boletim de ocorrência. A gente tem que respeitar o tempo da mulher, o tempo dessas meninas, mas é importante que elas busquem ajuda. […] Falando elas vão se recuperando, vão tendo forças para lembrar do que aconteceu, para ajudar a justiça na identificação destes eventuais agressores”, disse Gabriela.
O caso
A Polícia Civil informou que apura a suspeita de estupro, que teria ocorrido dentro de um camarote do rodeio de Jaguariúna (SP) entre a noite do dia 27 e a madrugada de 28 de novembro. A vítima, Franciane, relatou o crime em stories no Instagram na noite de 30 de novembro. Veja no vídeo acima.
A organização do rodeio informou, no dia 1º de dezembro, que analisava as imagens de 53 câmeras de segurança para reconstituir o episódio. O conteúdo também foi entregue à Polícia Civil.
“O doutor do IML da polícia constatou que realmente houve estupro e ele não sabe me dizer se foi um, dois ou três. Eu não sei o que fazer”, relatou a vítima na postagem, enquanto chorava.
Franciane afirmou que estava na companhia de amigos na festa, bebendo, e que não sabe o que ocorreu depois. Disse aos policiais apenas que acordou em uma rotatória próximo ao local do evento. Ela também compartilhou o story de uma amiga que relatou que algo foi colocado no copo da influenciadora.
A Secretaria de Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que caso foi registrado pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Mogi Guaçu (SP) e, posteriormente, encaminhado para a Delegacia de Jaguariúna, onde as investigações prosseguem e um inquérito foi aberto para apuração de estupro.
“Diligências estão em andamento para esclarecer os fatos. Outros detalhes não podem ser divulgados devido à natureza do crime”, informou a SSP.
![Influencer que denunciou estupro no Rodeio de Jaguariúna fala pela 1ª vez e diz ter sido desacreditada na delegacia: "Lesões muito graves"](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2021/12/whatsapp-image-2021-12-01-at-13.00.20-2-301x400.jpeg)
Primeiro atendimento médico
A jovem relatou, ainda durante a noite de 30 de novembro, que sentiu dores e procurou atendimento médico. Foi quando exames apontaram a suspeita de estupro.
“Que dor que eu estou sentindo. Inconsciente, sem ver quem era. […] Eu paguei um dos camarotes mais caros para ter segurança, aí acontece isso e ninguém me ajudou. Nenhum segurança me ajudou, ninguém”, disse.
Ainda no Instagram, Franciane disse que precisou tomar, na Santa Casa de Mogi Guaçu, um coquetel de medicamentos contra doenças sexualmente transmissíveis.
Na manhã do dia 1º de dezembro, a jovem esteve na DDM de Mogi Guaçu. Ela foi ouvida durante três horas.
A DDM também confirmou que foi feito exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal (IML) da cidade, mas não deu detalhes.