As catástrofes naturais sempre deixam um rastro de destruição e desespero, mas o que se desenrola atualmente no Rio Grande do Sul transcende o já vivenciado em outras regiões do Brasil, conforme relata Geraldo de Assis, um experiente socorrista mineiro e empresário do setor de transportes.
A gravidade da situação é tamanha que mesmo um veterano dos socorros em desastres nacionais como ele se vê abalado pela magnitude do que enfrenta agora.
Nunca vi nada igual, nem em Petrópolis, em Brumadinho ou em Manaus. Aqui no Rio Grande do Sul está sendo muito, mas muito pior afirma Geraldo de Assis, um empresário de transportes e socorrista do grupo Anjos do Asfalto, de 56 anos, de Minas Gerais
O voluntário, que já havia auxiliado nos desastres ocorridos na serra fluminense, em Minas Gerais e no Amazonas durante a pandemia de Covid-19, juntou-se no último sábado a um comboio com cinco outros socorristas da região metropolitana de Belo Horizonte.
Eles viajaram com um caminhão carregado de mantimentos e uma ambulância. Em Florianópolis, o grupo incluiu Júlio Guerra, um médico emergencista de 38 anos que está se especializando em medicina de desastres.
Durante a viagem, eles receberam doações e, ao chegar em Canoas, passaram três noites sem dormir e dois dias sem banho enquanto auxiliavam nos resgates e na organização da ajuda para aproximadamente 140 mil desabrigados na Grande Porto Alegre.
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Segundo a Defesa Civil, até a manhã de quarta-feira, as chuvas e enchentes no Rio Grande do Sul provocaram a morte de 95 pessoas, deixando mais de 100 desaparecidas e 48 mil desabrigadas.
Cerca de 80% dos municípios do estado foram afetados, com 336 cidades declarando estado de calamidade pública, no que é considerado o pior desastre ambiental da história do Rio Grande do Sul.
Foi a pior coisa que enfrentei em minha vida. Faltou ação imediata mais rápida, faltou estrutura. Se não fossem os voluntários e as doações, não sei o que teria sido dos gaúchos fala Assis
Os Anjos do Asfalto fizeram uma parada em Tramandaí, na região litorânea ao norte do estado, para tomar banho antes de retornar a Minas Gerais.
Eles planejam voltar ao Rio Grande do Sul até quinta-feira, trazendo mais duas carretas de mantimentos e a determinação de continuar ajudando.
Trouxemos 3 mil garrafas de água, que acabaram rapidamente nos dois postos em que as deixamos em Canoas, uma paróquia que abrigava 400 pessoas e uma escola transformada em abrigo para outras centenas de pessoas sem casa – conta Guerra.
O médico descreve que as histórias são de perdas totais e de um grande medo em relação ao futuro.
As pessoas perderam tudo. Muita gente gastou uma vida para conseguir o que tinha e agora vai gastar o restante para tentar se reestruturar. O número de desalojados deve aumentar e o que se fala é de um futuro próximo de migração rumo ao norte do estado e o sul de Santa Catarina.
Os socorristas compartilharam com o GLOBO um vídeo que revela longas filas em Canoas para a busca de água e cestas básicas.
Algo notável no vídeo é o grande número de pessoas em carros caros, também aguardando os mantimentos.
As centrais de abastecimento estão todas debaixo d’água. A crise afetou todos na cidade, sem distinção. E aí impressiona a solidariedade: famílias de 3 pessoas estão abrigando até 15 outros em suas casas. Mas em situação muito difícil, sem água e, em vários bairros, sem luz conta Assis
A falta de energia elétrica obrigou a polícia a escoltar a equipe dos Anjos do Asfalto em alguns locais. Houve relatos de saques e roubos, principalmente durante a noite.
O trabalho é intenso, ninguém para, e é muito necessário. Se você ler esta reportagem e quiser vir pra cá ajudar, traga muita água, comida não-perecível, barracas, pense em um cenário de guerra. Não tem nada aqui. Nada diz socorrista