O cara do prédio ao lado…
Vestindo um casaco preto, te vi chegando atravessando a movimentada rua do centro. No meio da multidão você nem me notou. Seria impossível. Mas continuei te acompanhando com os olhos até você entrar no prédio n° 2.355, uma construção nova, toda espelhada, com um jardim no último andar. Meu trabalho diurno estava concluído.
Atravessei a rua e subi ao meu escritório. Uma construção antiga de cor bege, que intitulo carinhosamente de “cor de burro quando foge”. O sexto andar era tranqüilo e, assim como todo o edifício, era cheio de escritórios alugados para freelancers ou executivos sem endereço próprio. Era interessante ver pessoas de diferentes idades, estilos e profissões no mesmo ambiente, socializando e trocando contatos pelos corredores.
Minhas manhãs do outro lado da rua se tornaram rotineiras quando te vi atravessando a rua há cerca de três meses. É clichê, mas foi amor, paixão, atração, o que você quiser chamar, à primeira vista. Te vi entrando naquele prédio e desde então te espero diariamente para o nosso encontro matinal, onde só eu sei que é um encontro. Sempre me impressiono com a forma como você se veste, como tudo lhe cai bem. Como até seu jeito de andar e cumprimentar colegas de trabalho me fascina.
Era uma manhã fria de outono. Ventava bastante e as folhas amareladas dançavam por todo o chão. Excepcionalmente naquele dia saí mais cedo do escritório pois precisava fazer algumas compras no centro, onde existem inúmeras lojas de decorações para festas. O esquema era subir por toda a rua treze de maio de um lado e voltar pelo outro lado. Isso levava algumas boas horas, por isso minha saída cedo foi necessária. Logo após passar o cartão na catraca e me despedir do segurança, ouvi alguém chamando. Não pensei que fosse pra mim então segui.
Quando estava virando o quarteirão ouvi a voz mais perto chamando pela moça de casaco cinza. Virei e lá estava ele. O cara do prédio n° 2.355. Não sabia pra onde ir, tentava esconder meu rosto, virava a cada milisegundo de um lado para outro procurando um esconderijo até ele se aproximar:
– Nossa quase não te alcancei! – Ele disse, quase sem conseguir respirar.
– Pois é….
– Eu… queria… você não me… calma…
Enquanto aquela cena pareceu durar algumas horas, tentei me concentrar em bancar a coitada que não sabia quem ele era, e que nunca o vira antes. Mesmo ele tendo uma voz aveludada e um perfume adorável. – Olha, eu preciso ir, você está bem? – me fazendo de sonsa. – Não! Espera um pouco… eu… oi, desculpe, você me fez correr bastante lá atrás. Eu sou o David, trabalho naquele prédio espelhado que coincidentemente é bem em frente ao seu. A gente nunca se viu, mas eu sempre te vejo da janela no meu escritório que fica no sétimo andar. Eu sei que parece coisa de psicopata, mas eu realmente gosto de você, quer dizer, do seu jeito, quando você atende o telefone e fica rabiscando no caderno ou mexendo numa mecha do seu cabelo, como você gira a cadeira quando fica feliz. Faz tempo que quero falar com você, mas nunca te encontro. Sempre que saio do trabalho vou correndo para o outro lado da rua pra te procurar na saída, mas nunca te vejo. Hoje, consegui te alcançar, larguei todo o trabalho quando te vi indo embora. Dessa vez consegui te encontrar aqui embaixo! Espero que não esteja achando tudo isso muito estranho, se pensar bem é estranho, desculpe, mas se você quiser, poderíamos marcar um dia pra tomar um café, ou trocar telefones ou e-mail. Se você não estiver achando tudo isso muito estranho, é claro.
– Tentando entender toda a história louca que me contara, consegui apenas pegar um pedaço de papel, escrever meu telefone e entregá-lo – meu whatsapp. – Deixei-o olhando o papel, dei de costas e segui meu caminho. Teríamos uma longa história para conversar.