O Natal está aí. Já comprei um bocado de presentes para amigos e familiares. Também já me presenteei com algumas lembrancinhas que fui vendo pelas lojas. O cardápio da ceia já está sendo decidido pela família. As luzinhas já estão piscando na janela. Há um Papai Noel em cada cômodo da casa. Já ando pensando em qual roupa usarei para celebrar a data. Vez ou outra, assovio alguma canção natalina para já entrar no clima também.
Estava tudo indo bem. Tudo certo e na mais santa paz para celebrar o nascimento do menino Jesus. Mas acontece que vi na internet e na televisão imagens assustadoras de uma guerra que acontece lá na Síria. Que deixou crianças órfãs. Que fez mulheres se suicidarem para fugir de estupros. Uma guerra em que casas são destruídas, vidas desmoronam, pessoas são dilaceradas por dentro e por fora. Uma guerra que tem como trilha sonora explosões e bombardeios.
Aí meu Natal perdeu a cor. Parecia não fazer mais tanto sentido. E me dei conta de algo que eu simplesmente já sabia: o Natal não é trocar presentes e comer mais do que o estômago aguenta. O Natal é trocar afeto e alimentar a alma! Pois então, diante de tal constatação, como podemos comemorar a vida com essa guerra imunda assolando milhares de irmãos nossos? Como é que podemos ter paz enquanto há outras pessoas sofrendo, sendo torturadas, estupradas, abusadas? Como é que podemos ser tão alheios à dor do outro? Quando foi que desaprendemos a sentir?
Guerras começam com uma facilidade impressionante. Mas quase nunca terminam. E, quando terminam, quase nunca acabam bem. Travamos pequenas guerras diárias e também nos esquecemos de percebê-las. Iniciamos uma guerra quando não aceitamos no outro uma sexualidade diferente da nossa. Quando não toleramos outra pessoa por ela ter uma opinião política que não é a nossa. Quando sentimos ódio de alguém porque segue outra religião. Porque escuta outras músicas. Porque tem outra cor de pele. Outro tipo de cabelo. Outra língua. Outra voz. Porque usa outras roupas. Porque come outras comidas.
As guerras – todas elas – começam com essa falta de tolerância, com essa mania de colocar um jeito de ser como superior a todos os outros. Foi assim lá na Síria e é assim aqui também, na esquina, na família, na roda de amigos, no trabalho. É assim no país. É assim no mundo. É assim, então, que nos damos conta de que vivemos também em meio a guerras, as tormentas, a turbilhões explosivos de pensamentos intolerantes, segregacionistas, hierarquizantes.
Sim, vivemos à beira da barbárie e isso é assustador! Mas nos acostumamos tanto a tudo isso que nem nos damos conta do fato de estarmos no meio do fogo cruzado. Aí é preciso que imagens como a do desespero silencioso que mora nos olhos das crianças de Alepo surjam na mídia e nos rocem os sentidos tão adormecidos, dopados, corroídos para que, então, haja a possibilidade de que paremos, pensemos, reflitamos… Para que a gente se coloque no lugar dos outros!
Mas, ora, não podemos nos colocar nesse lugar que não é nosso apenas quando imagens chocantes e devastadoras como as da guerra na Síria dilatam nossas pupilas temerosas. Temos que nos colocar também no lugar daquele menino que vende bala no farol, daquele cara que virou morador de rua, da garotada que usa drogas para fugir da realidade hostil e dolorida. Há guerras devastadoras acontecendo aqui também, bem no nosso quintal e a gente, talvez por estar vendo tão de perto, não consegue enxergar…
Então, nesse Natal, enquanto você estiver reclamando da bebida quente, da crise generalizada no país, da uva passa no arroz, lembre-se de que há guerras muito piores que essas que você trava com os outros e consigo mesmo. Há gente batalhando por um copo de água, por um abrigo qualquer onde não haja explosão, por um prato de comida.
E mais: lembre-se de que guerras como essa da Síria começaram com uma breve ebulição dentro de alguém que não conseguia tolerar o diferente. Trate, pois, de se lembrar também que o espírito natalino de fraternidade, de união, de amor e de solidariedade não precisa nascer apenas em dezembro e morrer logo em seguida. Esse espírito natalino é a luz que acende a humanidade em cada um de nós. Faz-se tarefa nossa não deixar essa luzinha se apagar!
Ana Helena Lopes