Em tocante reflexão, o historiador e escritor Leandro Karnal fala sobre a importância de dar menos valor às exigências sociais e imposições atuais.
As redes sociais se tornaram democráticas por unir indivíduos de todas as idades. É quase uma questão unânime: se você quer fazer parte da sociedade, precisa criar um perfil nessa ou naquela rede, produzir conteúdo ou falar sobre sua vida algumas vezes ao dia e acompanhar o que os outros estão vivendo ou falando.
Esse monitoramento em tempo real de tudo que fazemos passa a falsa sensação de que tudo que consumimos é verdadeiro, de boa qualidade, quando na realidade é o oposto disso. O enquadramento do que assistimos e os mirabolantes recortes e ajustes em fotos e vídeos fazem a vida de algumas pessoas (principalmente famosos) parecer perfeita e feliz.
Em um importante bate-papo, Leandro Karnal fala abertamente sobre o que acredita ser “normal” na sociedade atual, traçando um importante paralelo com “Hamlet”, tragédia escrita por William Shakespeare entre 1599 e 1601. De acordo com o historiador, em vídeo publicado no YouTube, para ser enquadrado neste mundo, o indivíduo precisa servir para o “palco alheio”, vivendo uma existência escrita por terceiros.
Para Karnal, podemos aprender com o príncipe Hamlet ao perceber que não devemos viver papéis distintos dos nossos verdadeiros, ao compreender que a felicidade, a busca da consciência, a crítica social e a ação política não dependem do lugar, do momento ou da hora. Nós somos aquilo que decidimos ser, e toda essa teia de complexidade e subjetividade está contida em nós mesmos.
A única coisa que temos, de acordo com o historiador, é a própria consciência. Desde que escolhemos ler um livro ou conversar com pessoas, colocamos nossa consciência para se questionar, avançar e evoluir. Tentando ir além do ensinamento de um coach ou de autoajuda, Karnal explica que, provavelmente, nunca vamos descobrir profundamente quem somos.
Ao invés disso, ele convida as pessoas a tentar descobrir, ao longo de suas existências, minimamente quem são. Com a certeza de que isso jamais trará felicidade, esse tipo de pensamento chega a ser infantil e ingênuo, mas abre as portas para a possibilidade de viver uma vida sem falsidade, sem ser vazia e comum. Quando essa chance é criada, a consciência de cada um é capaz de pedir que pare de “postar felicidade falsa, que não convence mais ninguém”.
Conseguir controlar a própria vida pode não ser uma coisa simples, principalmente se percebemos que estamos cada dia mais à mercê de hábitos, condutas e de um estilo de vida que nos obriga a ficar mais e mais conectados. O tempo de qualidade que temos para conhecer pessoas, para colocar as “consciências para se questionar” acaba sendo gasto nessa manutenção da pseudofelicidade.
Karnal reforça que temos muito a aprender com o príncipe Hamlet e devemos dizer a todas essas coisas quem é que manda: a internet, a rede social, a academia, o trabalho, as roupas que vestimos. É preciso começar esse processo de mudança, caso contrário, “o resto será silêncio”.
Essa maneira forçada de ser sociável está muito além do que verdadeiramente somos. Não é natural, muito menos saudável, viver em função de aprovação alheia, da quantidade de curtidas e de como nos enxergam. É preciso abandonar a superficialidade, e podemos fazer isso mergulhando em nós mesmos, tentando nos encontrar e nos conhecer, mesmo que só um pouco.
Isso não significa que você precisa abandonar as novas formas de comunicação, mas que é preciso ter senso crítico: até que ponto isso é proveitoso e saudável? Não devemos nos perder na aceitação de grupos, tampouco nos esforçar para ser aquilo que nunca fomos ou seremos. Nosso compromisso é com nossa consciência e com tudo que queremos que ela faça.