Todo mundo já perdeu muita coisa na vida. Faz parte. O todo é feito de partes. Partes presentes e partes faltantes. Espaços preenchidos e espaços vazios.
Eu já perdi muita coisa. Das mais simples às não tão simples. Algumas perdi e já nem lembro; outras nem me dei conta de que foram perdidas. Umas perdi mas continuaram comigo; outras ainda perdi mas, no fim das contas, ganhei.
A gente já nasce perdendo: perdendo o conforto do útero; e também cresce perdendo: perdendo o colo, perdendo o brinquedo preferido esquecido em algum canto. Na adolescência, a gente perde a vergonha para falar com o crush da escola, perde o medo de desafiar os pais, perde a linha e briga na rua.
Na juventude, a gente perde dinheiro comprando tranqueira, perde o ônibus porque dormiu demais – ou perde o ponto do ônibus pelo mesmo motivo. Perde o celular porque quis ganhar tempo e cortar caminho, mas tinha gente errada no momento errado.
Já adultos, a gente perde o guarda-chuva porque anda distraído, perde o sono porque anda preocupado, perde a vaga que deveria ser sua.
E já mais velhos, a gente segue perdendo: perde alguém da família, um amigo de infância, um bicho de estimação, um grande amor… A gente também perde a criança interior, perde o rumo e se pergunta: — ”o que eu deixei de ser quando cresci?” Perde a perspectiva, a expectativa de um possível filho que não veio, perde a esperança de vez em quando.
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Por que a perda é negativa? Talvez porque traga a ideia de falta. Perder é deixar de ter, e a perda parece um vazio, um lugar oco. Ironicamente, é o vazio das coisas perdidas a parte mais densa de quem somos; o vazio pesa, e no lugar oco ecoa o pesar.
No entanto, nem todo vazio é inútil e triste. A vida é cheia de buracos, mas não precisamos preenchê-los a todo custo, porque os vazios também tornam a vida plena.
São espaços, pausas, respiros; são lacunas temporárias que duram o tempo necessário, bolhas que nos empurram da nossa zona de conforto, em direção a uma zona de confronto com nossas emoções mais caras.
Eu perdi muita coisa até hoje, por outro lado, ganhei o seu oposto. Ao perder, o inverso se instala, como um jeito de entendermos a inteireza da nossa existência. Depois, a gente recupera, segue em frente, lembra, sente saudade, perdoa, supera.
As perdas doem, mas não precisam ser sofridas; sinta o luto mas não se fie nele, agradeça, abençoe, e simplesmente dê a si mesmo a oportunidade de viver uma nova etapa.
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