A Proximidade Gera o Desprezo…
Falar de relacionamentos e buscar inspirações em fábulas antigas, não parece ser algo muito comum, mas sempre temos algo a aprender na leitura dos clássicos. Assim, me ocorreu ao ler a fábula “A raposa e o Leão”, do escritor Esopo, que em sua narrativa descreve a história de uma raposa que ao se deparar com o leão pela primeira vez saiu correndo para um esconderijo seguro. Na segunda vez que encontrou o leão, a raposa ficou atrás da árvore a fim de poder olhar antes de fugir. No terceiro encontro entre a raposa e o leão, ela foi ao seu encontro, perguntou como ele estava, como estava sua família e passaram o dia juntos. De onde concluímos: “a proximidade gera o desprezo”.
Ao se tornar próxima do leão, a raposa deixou de temê-lo, passou a desprezá-lo como uma ameaça e por isso, nesse desprezo, se misturaram sem novidade e, como presenças comuns, viraram amigos, irmãos no reino animal ou qualquer coisa parecida.
Relacionar-se, namorar, casar, onde as relações duram longos anos, faz com que essa proximidade, essa familiaridade gere o desprezo. Não se trata de um desprezo consciente e proposital, numa ação voluntária de deixar o outro meio de lado e sim num desprezo inconsciente, o outro está tão próximo que mal notamos sua presença ali. A sedução já não importa, o amor fica tácito, declarar já não nos parece tão importante. Se estou aqui é porque te amo. Parece óbvio, parece certo e definitivo. Mas não é!
A poeta Elisa Lucinda fala sobre essa declaração de amor em seu poema EU TE AMO E SUAS ESTRÉIAS, que deve ser renovada, sem perder seu poder e beleza. Assim como o sol que nasce e se põe todos dias, cada dia mais belo, o “eu te amo” renovado tem sempre um sabor diferente – “Não importa, importa é a alegria límpida de poder deslocar o “Eu te amo” de um único definitivo dia que parece basta-lo como juramento e cuja repetição, parece maculá-lo ou duvidá-lo… Qual nada! Pois que o eu te amo é da dinâmica dos dias, É do melhoramento do amor, É do avanço dele. É verbo de consistência. É conjugação de alquimia. É do departamento das coisas eternas, que se repetem variadas e iguais todos os dias”.
Cada dia é um novo dia, cada dia a vida se renova, com novas chances, novas possibilidades. O amor que vivemos, a relação que já dura anos, também se renova, se transforma e é preciso amanhecer no amor todos os dias como uma estreia, como uma festa em que só há um convidado VIP que esperamos ansiosos. Usar o traje de gala para tomar café da manhã, brindar o amor com a xícara de café e perceber que só a renovação do encantamento, da sedução é que manterá o amor vivo, a admiração mútua, a vontade de dizer eu te amo repetidas vezes, como se fosse um desejo novo, que nasceu dentro do peito naquele exato momento. E nasceu!
É preciso devoção à pessoa amada, é preciso tratá-la como rei e rainha, merecedora de toda a nossa atenção, afeto e cuidado. O amor é sentimento que se renova, quanto mais amamos, mais amor haverá para doarmos ao outro. Quanto mais amor e devoção dedicarmos um ao outro, sempre elevaremos o amor num altar de adoração, porque é lá que ele deve estar.
A familiaridade deve gerar a cumplicidade, a amizade, o companheirismo, o olhar que entende o que o outro diz, o beijo que chega na hora exata para interromper o desespero de um dia estressante. A familiaridade deve fazer do mesmo amor, um novo amor todos os dias e a vontade de por ele nos apaixonarmos repetidas vezes. E coroar seu amado com um beijo de eu te amo e estreia todas as manhãs.