Um dos mais importantes poetas brasileiros do século XX, Manoel de Barros toca a alma dos leitores com sua perspectiva especial e única sobre o mundo.
Nascido em Cuiabá, Mato Grosso, desde muito cedo Manoel de Barros desenvolveu uma habilidade muito sensível de ver o mundo ao seu redor. Sua vida e obra foram marcados pela natureza e pelo Pantanal, que teve muita influência em sua poesia singular, repleto de imagens líricas.
Criado em um ambiente rural, o poeta teve uma infância simples e com contato direto com a natureza, o que posteriormente seria inspiração para suas poesias. Com uma linguagem inventativa, Manoel de Barros gostava de brincar com o idioma, dar novos sentidos as palavras e voz àquilo que geralmente era ignorado e desprezado pelas pessoas.
Ao longo de sua vida, Manoel de Barros publicou diversos livros de poesias, contos e crônicas, no qual a temática central era relacionado ao universo infantil, a natureza, os animais e a vida simples do homem do campo. Cheio de simplicidade, ele buscava revelar a beleza oculta nas coisas mais comuns e insignificantes. Pensando em seu trabalho memorável, separamos os seus melhores poemas, confira abaixo essa seleção magnífica:
1. O livro sobre nada
“É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.”
2. Biografia do orvalho
“A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou — eu não
aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.”
3. Borboletas
“Borboletas me convidaram a elas.
O privilégio insetal de ser uma borboleta me atraiu.
Por certo eu iria ter uma visão diferente dos homens e das coisas.
Eu imaginava que o mundo visto de uma borboleta seria, com certeza,
um mundo livre aos poemas.
Daquele ponto de vista:
Vi que as árvores são mais competentes em auroras do que os homens.
Vi que as tardes são mais aproveitadas pelas garças do que pelos homens.
Vi que as águas têm mais qualidade para a paz do que os homens.
Vi que as andorinhas sabem mais das chuvas do que os cientistas.
Poderia narrar muitas coisas ainda que pude ver do ponto de vista de
uma borboleta.
Ali até o meu fascínio era azul.”
4. Aprendimentos
“Chegou por vezes de alcançar o sotaque das origens.
Se admirava de como um grilo sozinho, um só pequeno
grilo, podia desmontar os silêncios de uma noite!
Eu vivi antigamente com Sócrates, Platão, Aristóteles —
esse pessoal.
Eles falavam nas aulas: Quem se aproxima das origens se renova.
Píndaro falava pra mim que usava todos os fósseis linguísticos que
achava para renovar sua poesia. Os mestres pregavam
que o fascínio poético vem das raízes da fala.
Sócrates falava que as expressões mais eróticas
são donzelas. E que a Beleza se explica melhor
por não haver razão nenhuma nela. O que mais eu sei
sobre Sócrates é que ele viveu uma ascese de mosca.”
5. O menino que carregava água na peneira
“O menino aprendeu a usar as palavras.
Viu que podia fazer peraltagens com as palavras.
E começou a fazer peraltagens.
Foi capaz de modificar a tarde botando uma chuva nela.
O menino fazia prodígios.
Até fez uma pedra dar flor.
A mãe reparava o menino com ternura.
A mãe falou: Meu filho você vai ser poeta!
Você vai carregar água na peneira a vida toda.
Você vai encher os vazios
com as suas peraltagens,
e algumas pessoas vão te amar por seus despropósitos!”
6. O fotógrafo
“Difícil fotografar o silêncio.
Entretanto tentei. Eu conto:
Madrugada a minha aldeia estava morta.
Não se ouvia um barulho, ninguém passava entre as casas.
Eu estava saindo de uma festa.
Eram quase quatro da manhã.
Ia o Silêncio pela rua carregando um bêbado.
Preparei minha máquina.
O silêncio era um carregador?
Estava carregando o bêbado.
Fotografei esse carregador.
Tive outras visões naquela madrugada.
Preparei minha máquina de novo.
Tinha um perfume de jasmim no beiral de um sobrado.
Fotografei o perfume.
Vi uma lesma pregada na existência mais do que na
pedra.
Fotografei a existência dela.
Vi ainda um azul-perdão no olho de um mendigo.
Fotografei o perdão.
Olhei uma paisagem velha a desabar sobre uma casa.
Fotografei o sobre.
Foi difícil fotografar o sobre.
Por fim eu enxerguei a ‘Nuvem de calça’.
Representou para mim que ela andava na aldeia de
braços com Maiakowski – seu criador.
Fotografei a ‘Nuvem de calça’ e o poeta.
Ninguém outro poeta no mundo faria uma roupa
mais justa para cobrir a sua noiva.
A foto saiu legal.”
7. Olhos parados
“Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.
Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.
Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.
Lembrar que estão longe e ter saudades deles…
Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.
Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza.
Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve.
Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu.
Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.
Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.
Saber que a gente tem amigos de fato!
Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…
Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.
Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.
Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.”
8. O Apanhador de Desperdícios
“Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.”
9. Mundo Pequeno
“O mundo meu é pequeno, Senhor.
Tem um rio e um pouco de árvores.
Nossa casa foi feita de costas para o rio.
Formigas recortam roseiras da avó.
Nos fundos do quintal há um menino e suas latas maravilhosas.
Todas as coisas deste lugar já estão comprometidas com aves.
Aqui, se o horizonte enrubesce um pouco,
os besouros pensam que estão no incêndio.
Quando o rio está começando um peixe,
Ele me coisa.
Ele me rã.
Ele me árvore.
De tarde um velho tocará sua flauta para inverter os ocasos.”
10. O Menino e o Rio
“O corpo do rio prateia
quando a lua se abre
Passarinhos do mato gostam
De mim e de goiaba
Uma rã me benzeu
Com as mãos na água
Com fios de orvalho
Aranhas tecem a madrugada
Era o menino e os bichinhos
Era o menino e o Sol
O menino e o rio
Era o menino e as árvores
Cresci brincando no chão,
Entre formigas
Meu quintal é maior
Do que o mundo
Por dentro de nossa casa
passava um rio inventado.
Tudo que não invento
é falso
Era o menino e os bichinhos
Era o menino e o Sol
O menino e o rio
Era o menino e as árvores”
11.O Fazedor de Amanhecer
“Sou leso em tratagens com máquina.
Tenho desapetite para inventar coisas prestáveis.
Em toda a minha vida só engenhei
3 máquinas
Como sejam:
Uma pequena manivela para pegar no sono.
Um fazedor de amanhecer
para usamentos de poetas
E um platinado de mandioca para o
fordeco de meu irmão.
Cheguei de ganhar um prêmio das indústrias
automobilísticas pelo Platinado de Mandioca.
Fui aclamado de idiota pela maioria
das autoridades na entrega do prêmio.
Pelo que fiquei um tanto soberbo.
E a glória entronizou-se para sempre
em minha existência.”
12. Matéria de poesia
“Todas as coisas cujos valores podem ser
disputados no cuspe à distância
servem para poesia
O homem que possui um pente
e uma árvore serve para poesia
Terreno de 10 x 20, sujo de mato — os que
nele gorjeiam: detritos semoventes, latas
servem para poesia
Um chevrolé gosmento
Coleção de besouros abstêmios
O bule de Braque sem boca
são bons para poesia
As coisas que não levam a nada
têm grande importância
Cada coisa ordinária é um elemento de estima
Cada coisa sem préstimo tem seu lugar
na poesia ou na geral”
13. Olhos parados
“Olhar, reparar tudo em volta, sem a menor intenção de poesia.
Girar os braços, respirar o ar fresco, lembrar dos parentes.
Lembrar da casa da gente, das irmãs, dos irmãos e dos pais da gente.
Lembrar que estão longe e ter saudades deles…
Lembrar da cidade onde se nasceu, com inocência, e rir sozinho.
Rir de coisas passadas. Ter saudade da pureza.
Lembrar de músicas, de bailes, de namoradas que a gente já teve.
Lembrar de lugares que a gente já andou e de coisas que a gente já viu.
Lembrar de viagens que a gente já fez e de amigos que ficaram longe.
Lembrar dos amigos que estão próximos e das conversas com eles.
Saber que a gente tem amigos de fato!
Tirar uma folha de árvore, ir mastigando, sentir os ventos pelo rosto…
Sentir o sol. Gostar de ver as coisas todas.
Gostar de estar ali caminhando. Gostar de estar assim esquecido.
Gostar desse momento. Gostar dessa emoção tão cheia de riquezas íntimas.”
14. Biografia do orvalho
“A maior riqueza do homem é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como sou — eu não
aceito.
Não aguento ser apenas um sujeito que abre
portas, que puxa válvulas, que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde, que vai lá fora,
que aponta lápis, que vê a uva etc. etc.
Perdoai.
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem usando borboletas.”
15. Poema
“A poesia está guardada nas palavras — é tudo que eu sei.
Meu fado é o de não saber quase tudo.
Sobre o nada eu tenho profundidades.
Não tenho conexões com a realidade.
Poderoso para mim não é aquele que descobre ouro.
Para mim poderoso é aquele que descobre as
insignificâncias (do mundo e as nossas).
Por essa pequena sentença me elogiaram de imbecil.
Fiquei emocionado e chorei.
Sou fraco para elogios.”
Contribuição de Manoel de Barros para a Literatura Brasileira
![Descubra os 15 melhores poemas de Manoel de Barros Descubra Os 15 Melhores Poemas De Manoel De Barros](https://osegredo.com.br/wp-content/uploads/2023/07/1-Descubra-os-15-melhores-poemas-de-Manoel-de-Barros-1.jpg.webp)
A contribuição de Manoel de Barros para a literatura brasileira é inestimável. Seus poemas únicos e originais trouxeram uma nova perspectiva à poesia brasileira, revelando a beleza oculta e a magia presente nas coisas mais simples do cotidiano, que são muitas vezes ignoradas ou até passam despercebido pelas pessoas.
Com uma linguagem inventiva e imagens poéticas inesquecíveis, Manoel de Barros renovou a forma de escrever poesia. Suas palavras transcendem as fronteiras do significado convencional, criando uma atmosfera única que envolve o leitor em um universo lírico ímpar.
Além disso, sua obra destaca-se pela valorização da natureza e da infância, temas que ecoam o Pantanal e a simplicidade de sua criação. O uso de personagens e seres imaginários, como o Guardador de Águas, revela a profundidade de sua imaginação poética e a capacidade de expressar a essência do humano e do mundo natural.
Ao longo de sua carreira, Manoel de Barros conquistou tanto a admiração da crítica quanto o coração do público. Sua poesia toca a sensibilidade do leitor, convidando-o a refletir sobre a essência da vida, o encanto das coisas pequenas e o valor da imaginação. Com um legado duradouro, ele influencia até hoje as gerações de poetas e leitores, e continua sendo uma das vozes mais singulares da literatura brasileira, encantando e inspirando com sua poesia atemporal.
Palavras finais
Ao adentrarmos no mundo das poesias de Manoel de Barros, é possível ver sua beleza e magia presente nas coisas mais simples da vida. Com uma linguagem inventativa e imagens poéticas inesquecíveis, o poeta brasileiro conseguiu revolucionar a forma de escrever poesia, tocando as pessoas com sua sensibilidade.
Seus temas favoritos eram sobre a natureza, os animais, a infância e o mundo rural, que o diferenciava dos demais poetas da sua geração. Ao lermos suas poesias, é possível enxergar a vida de um ângulo mais especial e único, valorizando os detalhes que passam despercebidos por nos e nos conectanto verdadeiramente com o universo.
Além disso, como visto neste artigo, Manoel de Barros transformou a literatura brasileira, conquistando o público e a crítica, deixando um legado imenso no país. Seus livros são leituras obrigatórias em escolas e universidades, inspirando até hoje jovens estudantes, escritores e poetas contemporâneos. Visionário e sensível, ele soube enxergar a poesia em todos os cantos do mundo, apresentando uma visão particular e encantadora sobre a infância e o tempo, transportando os leitores para um mundo inspirador.