Ele está passando. Tem uns dias em que ele faz sol, noutros faz chover e em outros, ainda, se arma um cenário nublado, mas só de alarme falso. É que tem um sol forte soprando vento que não deixa as nuvens grávidas parirem seus rebentos molhados. Tem um tempo que passa rápido demais, principalmente quando estamos rindo, curtindo uma festa, aproveitando o dia numa trilha ou numa praia, quando estamos abraçando os filhos, dando as mãos para o amor no escurinho do cinema.E tem um tempo que passa devagar, em câmera lenta, sobretudo quando estamos no trânsito, naquela reunião de trabalho interminável, no ponto de ônibus e na sala de espera do médico.
Mas o tempo está passando. Tanto e sempre. Incansavelmente. De modo que nem é preciso assistir ao jornal ou procurar na internet para sabê-lo.
Ele anda correndo, ele passa voando. Tem pressa ou tem preguiça, mas ligeiro ou vagaroso, está passando e não há modo algum de segurar o tempo. Li Mario Quintana numa tarde esvoaçante e ele dizia que “quando se vê, já são seis horas! Quando se vê, já é sexta-feira! Quando se vê, já é natal… Quando se vê, já terminou o ano… Quando se vê, perdemos o amor da nossa vida. Quando se vê, passaram 50 anos”.
E já fazia um bom durar que esse tempo se esvaia feito areia passando por entre os dedos e os anos todos iam se acumulando, formando dois mil tempos e alguma coisa. Bateu, então, um desespero de relógio e me desencontrei no meio do temporal (de tempo passando e não de chuva caindo). Queria frear os ponteiros, trocar os números de lugar, botar o tempo do avesso pra ver se ele dava um tempo. E Manoel de Barros contou, sem firulas, escrevendo para a terra, que “o tempo só anda de ida. A gente nasce, cresce, envelhece e morre. Pra não morrer, é só amarrar o tempo no poste. Eis a ciência da poesia: amarrar o tempo no poste”. Que sandice mais bonita! Li e reli os versos, tentado traçar artimanha suficiente que me botasse a frente do tempo, controlando sua passagem feito a TV da sala. Mas não era disso que Manoel falava.
Eu, acostumada a contar o tempo, mal reparei que tempo é coisa imensurável. Não se conta em segundos e nem em anos.
Não se dá nome, clima e nem duração àquilo que a vida nos deu de batidas do coração. Porque tempo é uma coisa meio de fé mesmo. É relativo demais, feito quando passei uma eternidade vendo o brilho da lua cheia e não demorei uma piscada de olhos encarando a conta de luz. Então, quem foi que deu medida ao que não se mede? Quem disse, certa feita, sem nada saber direito que régua podia medir o que depende do que a alma sente? Quem colocou calendário na minha experiência de vida e me deu a idade dos homens quando eu apenas queria saber do voo dos pássaros?
Foi então, quase que de súbito, quase que almejando tatear a imortalidade que desvendei as palavras de Manoel que a meninada toda já sabia entender: amarrar o tempo no poste não é parar o tempo e muito menos parar no tempo. Não dá! Ele está passando. Amarrar o tempo no poste é guardar aquilo que o sentimento tocou numa caixinha chamada memória. Ela fica no lado esquerdo do peito de cada um, morando junto do coração, protegida pela quentura da alma. Mas não bastava! Como é que dá pra amarrar o tempo no poste e segurar tudo que fez sentido e que fez sentir só guardando na memória? É, não dá, falta alguma peça de quebra-cabeça. Foi então, quase que em devaneio, que me nasceu um arco-íris nas ideias, misturando sol e chuva numas cores de céu.
Tudo mesmo, tudinho, tudo que faz tempo dá saudade.
Eis o mistério do tempo: ele passa. Eis o segredo do tempo: ele dá saudade e ela vai se misturando aos nossos pedacinhos, fazendo de tudo o que a gente é feito uma imensa e imensurável eternidade, do jeito que Vinicius de Moraes bradou sobre o amor: “que seja infinito enquanto dure”. Porque não tem nada a ver com minutos, mas tudo a ver com momentos! E Mário Quintana veio fazer sentido e veio fazer sentir: “se me fosse dado um dia, outra oportunidade, eu nem olhava o relógio. Seguiria sempre em frente e iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas…”.