A Universidade de Harvard é uma das mais conhecidas e prestigiadas do mundo. Vários brasileiros já passaram por lá, mas você sabe quem foi o primeiro brasileiro a se formar em Medicina nessa Universidade?
Para conhecer a história de Joaquim Antonio Alves Ribeiro, que conquistou o seu diploma em 1853, nos acompanhe nessa leitura.
Quem foi Joaquim Antonio Alves Ribeiro?
Mesmo sendo uma figura bastante representativa para o Brasil, não se encontra muita informação sobre ele na internet. O historiador e professor da Universidade Estadual de Goiás, Eduardo Vasconcelos, foi uma das pessoas que se dedicou a mudar essa realidade.
Em uma entrevista a BBC, Eduardo conta que certa vez leu um boletim que informava que primeiro museu do Ceará havia sido fundado pelo “saudoso médico Joaquim Antonio Ribeiro”. Como um bom historiador, ele logo ficou curioso em saber mais sobre o médico, mas não encontrou muitas informações, seja em publicações locais, nacionais ou internacionais.
Isso incomodou Eduardo, que depois de terminar o mestrado em história da ciência pela Fundação Oswaldo Cruz (FioCruz), no Rio de Janeiro, dedicou o seu doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), a descobrir mais sobre o médico que fez história.
Seus estudos deram origem ao livro A Ciência Peculiar de Joaquim Antonio Alves Ribeiro. O objetivo de Eduardo com a obra era mostrar algumas das ações mais relevantes do médico.
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As informações mais concretas que ele conseguiu sobre Alves Ribeiro foram estão relacionadas a faculdade de medicina que ele cursou em Harvard, tendo conquistado o diploma em 1853.
De acordo com os estudos de Eduardo Vasconcelos, Alves Ribeiro terminou a faculdade nos Estados Unidos e em seguida retornou para o Brasil, exercendo a sua profissão dentro dos círculos sociais menos favorecidos.
Os dados mostram que o médico foi o primeiro a ser contratado pela Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza, e lá realizar um trabalho inovador de tecnologia, além de atuar nos problemas de saúde pública da região.
Mas as contribuições do Alves Ribeiro para a medicina brasileira não pararam por aí:
- Ele foi o autor de uma das primeiras publicações médico-científicas do país, que recebeu o nome de “A Lancêta”;
- Publicou um livro para auxiliar o trabalho das parteiras;
- E fundou o primeiro museu do estado do Ceará, usando objetos de sua coleção pessoal.
Por que ele escolheu Harvard?
Harvard, na época de Alves Ribeiro não era tão conhecida como hoje em dia, e nem de longe era uma referência mundial assim como nos dias de hoje.
Por conta disso, os filhos dos nobres brasileiros não tinham essa universidade como foco, mas sim as universades europeias, como a de Montpellier, na França, por exemplo.
Em seus estudos, o historiador não conseguiu encontrar qualquer documento que dê uma resposta definitiva para isso. Mas conseguiu deduzir algumas razões através dos seus estudos sobre a vida do médico.
Na entrevista, ele conta com como o pai de Alves Ribeiro tinha terras e criava gado para o fornecimento de couro, e que por isso era possível que conhecesse comerciantes do Reino Unido e dos EUA para os quais pode ter pedido indicações de universidades estrangeiras para o filho.
Além disso, vale mencionar sobre a crise econômica internacional de 1847, que valorizou as principais moedas europeias, tornando as universidades dos EUA uma alternativa mais viável e econômica para as famílias.
As universidades do país eram reconhecidas pela qualidade e ao mesmo tempo custavam menos. Isso sem mencionar que o processo seletivo era mais simples do que outras concorrentes europeias. Todos esses fatores, embora não possam ser devidamente comprovados, podem ter influenciado na escolha de Harvard.
Primeiro brasileiro a cursar Medicina em Harvard?
Mesmo sem todo o reconhecimento dos dias de hoje, Harvard se tornou uma opção popular para o curso de Medicina naquela época. Então como ter certeza de que Alves Ribeiro foi realmente o primeiro brasileiro a entrar no curso?
Eduardo Vasconcelos se empenhou em reunir o máximo de informações possível sobre a vida do médico brasileiro, e uma de suas estratégias foi analisar listas de matrículas da universidade na época, para ter certeza dessa informação.
Durante as buscas, ele percebeu que nos anos de 1833-34 e 1836-37, dois estudantes com sobrenome “White” foram listados e identificados como “naturais do Rio de Janeiro, Brasil”. No entanto, como esse sobrenome não é comum em nosso país, o historiador supôs que os estudantes eram filhos de representantes comerciais ou diplomáticos dos EUA do Reino Unido, ou mesmo que tivessem descendência anglo-saxã.
Dessa forma, até onde se sabe, Alves Ribeiro foi o primeiro brasileiro nato, filho de pais brasileiros natos, a cursar – e se formar – em Medicina na universidade de Harvard, de acordo com Vasconcelos.
A volta ao Brasil e a dedicação aos pobres
Depois de se formar nos EUA, Alves Ribeiro resolveu voltar ao Brasil para exercer a sua profissão. E assim como é exigido nos dias de hoje, ele precisou revalidar o diploma antes de começar a trabalhar efetivamente como médico em solos brasileiros.
Com essa etapa completa, o médico escolheu morar no interior do Rio Grande do Norte. E logo de cara foi chamado para lidar com uma situação alarmante: uma epidemia na região. O médico permaneceu lá por um tempo, mas cerca de um ano depois resolveu ir embora por conta das condições de trabalho e também do atraso no pagamento.
Seu próximo destino foi Recife, Pernambuco, onde abriu o seu próprio consultório. Durante três anos ele permaneceu no local, atendendo tanto brasileiros quanto estrangeiros.
Mas chegou um momento em que o médico resolveu voltar para o Estado natal, o Ceará. Lá, ele acabou ocupando o cargo de “médico da pobreza”, que recebia do governo da província para cuidar das pessoas pobres, que não tinham dinheiro para custear as consultas e tratamentos referentes aos seus problemas de saúde.
Esse cargo tinha uma função social muito importante, uma vez que consistia em levar tratamento e saúde para as pessoas que realmente precisam, mas vivam sem qualquer tipo de saúde pública. E mesmo que essa fosse uma ocupação relevante, o médico nos tempos de Alves Ribeiro não era visto com o mesmo prestígio e respeito do que nos dias de hoje.
Além disso, a medicina também estava “atrasada”, se comparada nos dias atuais. De acordo com o historiador, na época de 1860, os médicos não tinham conhecimento avançado sobre quais os causadores da grande maioria das doenças. Eles sequer conheciam vírus, bactérias ou patógenos. Por isso, já é de se esperar que os tratamentos aos doentes também fossem muito precários.
Com toda essa falta de informação e de tratamento efetivo, os médicos “competiam” com benzedeiras, raizeiros e xamãs para tratar os doentes.
Por muito tempo, esse foi o cenário em que o médico formado em Harvard atuou, lutando pela saúde dos seus pacientes. Mas essa história ganhou uma nova etapa em março de 1871, quando foi criado o primeiro hospital de caridade do Ceará, a Santa Casa de Misericórdia.
Alves Ribeiro foi o primeiro médico da instituição, e por conta da responsabilidade desse cargo, ele se dedicou ainda mais ao conhecimento, ficando por dentro das novidades do mundo da medicina e mergulhando nas tecnologias da época para ter melhores condições de tratar os seus pacientes.
Na época, ele revolucionou o mercado através do insensibilizador, um aparelho que borrifava éter como uma forma de diminuir a dor dos pacientes durante cirurgias e outros procedimentos.
Nesse momento, Alves Ribeiro se tornou notícia na Gazeta Médica da Bahia, um periódico especializado em medicina. Ele participou do artigo, contando um pouco sobre as suas impressões e experiências com a tecnologia.
Muito além do consultório
Alves Ribeiro demonstrou que o seu interesse em medicina ia além de atender os pacientes, mas também de compartilhar conhecimento e construir um legado de informações para ser usado pelas gerações futuras.
Ao longo de sua carreira, ele fez diversas publicações. Falamos sobre a primeira delas logo no começo do artigo. O Manual da Parteira, ou Pequena Compilação de Conselhos na Arte de Partejar, Escrita em Linguagem Familiar, se resume em um verdadeiro guia sobre como fazer um parto da melhor maneira possível.
Como o foco do material eram as mulheres simples, ele foi elaborado com um texto simples e com muitas imagens, para orientar as parteiras a fazer o procedimento da maneira mais segura e saudável possível para mãe e bebê.
Essa publicação é uma prova importante e que o médico entendia o seu papel social, de democratizar o acesso à informação, e garantir a segurança do máximo de pacientes que conseguisse.
Segundo o historiador, a necessidade de compartilhar conhecimento era uma preocupação frequente para o médico, que entendia o valor de uma abordagem coletiva. E isso veio muito a calhar para a sociedade da época, cujo conhecimento sobre temas de saúde era escasso.
O Manual da Parteira, nesse contexto, foi uma maneira inteligente e efetiva de prestar esse serviço para os cearenses. Ele foi construído de uma maneira estratégica e cumpriu com a missão de espalhar o conhecimento, garantindo uma melhor saúde para diversas mães e recém-nascidos.
Outra publicação conhecida do médico foi o periódico científico A Lancêta, lançado em 1862. De acordo com o historiador, Alves Ribeiro estava familiarizado com o jornal The Lancet, fundado no Reino Unido em 1823, e quis criar um periódico no mesmo sentido para o Brasil.
Por isso, escolheu um nome aportuguesado d’A Lancêta para a sua criação. No material, que se tornou um dos pioneiros do gênero no Brasil, era possível encontrar temas relacionados a medicina, cirurgia, química, entre outros.
O verdadeiro objetivo do médico com esse periódico é que o material compartilhasse características análogas ao instrumento cirúrgico. Devido à profissão de médico, Alves Ribeiro teria autorização para manusear tanto o instrumento lanceta quanto a lanceta figurativa, o jornal, que também poderia provocar cortes nos debates abordados.
Em suas pesquisas, Vasconcelos encontrou seis edições disponíveis do periódico. E após analisar cada uma delas concluiu que se tratava de um espaço público onde se podia debater e refletir sobre o cenário da medicina.
Um verdadeiro amante da história
A medicina ocupava um grande espaço na vida de Alves Ribeiro, mas estava longe de ser o seu único interesse. Mostrando que era um homem culto e com interesses diferentes, o médico começou a colecionar objetos de história natural, como animais taxidermizados, moedas, minerais, e artefatos indígenas.
Desde o final da década de 1850, ele acumulou itens em sua coleção particular, e em 1867 resolveu fazer algo grande com elas: Alves Ribeiro abriu toda as suas peças para a visitação pública. Todos os que pagassem a taxa poderiam admirar a sua coleção, e o dinheiro arrecadado era direcionado para a manutenção da exposição.
Figura já conhecida na sua região, o médico voltou a ser notícia pela iniciativa. De acordo com informações de Vasconcelos, a exposição se tornou notícia em um jornal da época.
“Amanhã abrir-se-á às 4 horas da tarde o Museu de História Natural na rua da Boa Vista, esquina da travessa Municipal. Igualmente estará aberto todos os domingos e dias santos à mesma hora”, dizia a publicação.
A notícia também informava que cada bilhete tinha o valor de 500 réis e que deveriam ser adquiridos na porta do edifício onde acontecia a exposição. “O proprietário, não mirando interesse pecuniário, é, contudo, obrigado a taxar aos visitantes essa espórtula [quantia], a fim de ocorrer às despesas com o estabelecimento, e à aquisição de novos produtos”, ainda explicava o anúncio.
O gabinete de história natural, criado pelo médico, alcançou uma importância no cenário cultural cearense e é considerado o primeiro museu criado no estado.
Mas a exposição nesse formato durou poucos anos. Logo no começo da década de 1870, Alves Ribeiro doou a sua coleção pessoal para o governo do Ceará. Com as peças do médico, foi criado o Museu Provincial, que funcionava no mesmo prédio.
Para o historiador, o interesse de Alves Ribeiro em história é uma prova de que o médico estava sempre em busca de conhecimento e interesses diversos, além de novidades da ciência.
Por que o médico Alves Ribeiro é desconhecido?
Como você pode perceber, Alves Ribeiro foi uma figura marcante no passado do Ceará. Mas por que ele não é tão falado quanto outras personalidades do passado? O historiador tem uma teoria para essa invisibilidade.
De acordo com ele, precisamos entender o contexto do mundo naquela época: a Segunda Revolução Industrial, no Reino Unido, e Guerra de Secessão, nos Estados Unidos.
Nessa época, a Inglaterra precisou expandir o seu leque de fornecedores, direcionando a sua atenção para a África e a América Latina. Nesse sentido, a região semiárida do Nordeste se destacou por conta do algodoeiro mocó, que embora não resulte em produtos tão finos quanto os fios egípcios, por exemplo, mas que são ótimos recursos para fabricar produtos de segunda ou terceira linha.
Devido a isso, o Ceará se tornou um grande fornecedor de algodão para o exterior, e acabou ganhando muito dinheiro e se tornando uma região do Brasil com melhores condições de vida, ainda que estivesse afastada da capital do país naquela época, o Rio de Janeiro.
No entanto, a grande seca que começou na região a partir de 1877, tornou o cultivo do algodão algo impossível. Esse período pós-1877 não foi levado em consideração por muitos historiadores. Durante essa época, o Ceará foi conhecido apenas pelo lado do cangaço e da seca, e por isso várias produções culturais, científicas e intelectuais do período passaram despercebidas. No entanto, o médico Alves Ribeiro vem antes da seca e de todas essas mudanças, segundo historiador.
A outra razão à qual Vasconcelos associa o “esquecimento” de Alves Ribeiro está relacionada a uma falha da “historiografia nacional”, que escolhe os pontos exatos em que deseja focar e acaba esquecendo de todo o cenário brasileiro não relacionado ao eixo político-econômico.
Ele explica que uma grande parte dos historiadores enxergam a ciência como uma atividade complicada e que exige uma grande quantidade de dinheiro. Por isso, em sua visão, naquela época a ciência só poderia ser praticada no Rio de Janeiro.
A consequência desse tipo de pensamento é que os historiadores muitas vezes ignoram acontecimentos marcantes de outros lugares do país e que também deveriam ser reconhecidos pela sua importância no cenário nacional.
Entre eles está Alves Ribeiro e todo seu legado, seja como o primeiro brasileiro a se formar em medicina na Universidade de Harvard, como o médico de inovações tecnológicas o como o criador do primeiro museu do Ceará.
Longe dos holofotes, Alves Ribeiro morreu vítima de um câncer de estômago, em 1875. Apesar de ter vivido apenas 45 anos, seu trabalho foi de grande contribuição para o cenário médico e cultural do Brasil.
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