Sinto falta de andar na rua. Caminhar algumas quadras, atravessar algumas avenidas, passar em frente a bancos, padarias, andar nas calçadas.
É incrível como a gente se torna desintegrado, ao mesmo tempo em que somos tão conectados e antenados com as tecnologias.
Deve ser por isso mesmo que não sabemos mais onde fica isso, onde fica aquilo, esquecemos nomes de ruas e se tivermos que pegar um ônibus, então…
Um dia desses no banco, quase atravessei uma vidraça. Fiquei desorientada sem saber onde era a saída. Por pouco não passei a maior vergonha, sem contar que poderia ter me ferido.
Pensando nisso, decidi pedir ao marido que parasse na padaria que fica a umas três quadras do meu trabalho. Disse a ele que iria tomar café e caminhar até o escritório.
Pode parecer bobagem, mas foi uma experiência muito agradável!
É incrível como perdemos detalhes, indo e vindo o tempo todo dentro de um veículo. Entramos, sentamos, dirigimos atentos ao caos do trânsito, estacionamos e descemos. Mecânicos como soldadinhos de chumbo.
Mesmo quando vamos ao shopping, entramos, sentamos, ou andamos pelas “alamedas” cheias de anúncios, luzes, barulho e gente, numa imitação fajuta da vida que acontece do lado de fora, nas ruas, que nem de longe é como andar sob o céu.
Caminhei aquelas três quadras e observei mais coisas em 10 minutos do que observo em 30 dias do interior do meu carro, onde pela janela vejo tudo enquadrado ou tudo “em quadrado”.
Pude ver mais de perto o rosto das pessoas, o movimento dos carros, gente chegando aos seus trabalhos, as portas dos comércios se abrindo. A cidade despertando. Um novo dia inaugurado.
Senti o friozinho da manhã. Encarei o sol de frente, quase me cegando, abrindo-se no horizonte. Céu azul de brigadeiro anunciando um dia iluminado.
É inacreditável como perdemos as habilidades de realizar coisas tão simples que chega até ser hilário. Às vezes, fico atrapalhada ao tentar realizar coisas elementares, por pura falta de prática, por exemplo, atravessar uma movimentada avenida. Sinto que perdi a agilidade, a desenvoltura. Tropeço. Sou quase atropelada. Uma coisa tão comum se transforma em uma perigosa aventura.
A vida acontece muito mais do que se pode ver através do espaço limitado da janela de nossos automóveis.
Tornamo-nos pessoas lentas, travadas, e isso porque nos consideramos sempre tão articulados, cheios de artimanhas e artifícios, mas ao deixar de lado o princípio básico das coisas simples, perdemos importantes habilidades natas, das quais sentiremos falta, em algum momento.
É bem verdade que não há satisfação nenhuma em tomar um ônibus lotado, ir apertado, misturado com toda espécie de indivíduo, ou andar por aí nas “quebradas” das cidades ficando a mercê da violência.
Mas sem ir de um extremo a outro, penso que quando automatizamos nossas vidas, deixamos passar despercebidos detalhes que poderiam torná-la mais leve e mais alegre.
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Encontrar no seu caminho um senhor passeando com seu cão de manhãzinha, as crianças arrastando suas mochilas a caminho da escola, o cheirinho de café fresco que vem da barraquinha daquela moça que ganha sua vida vendendo na calçada o café da manhã de muitos. Observar a vivacidade dos jovens que caminham absortos, distraídos, ouvindo músicas com seus fones de ouvidos coloridos.
Coisas simples que não temos tempo para perceber, que não valorizamos, pois estamos sempre preocupados com as “grandes coisas” da vida.
A vida acontece em todos os lugares, de várias formas não podemos restringir nosso olhar, sempre ao mesmo conteúdo. Fixados numa mesma direção, em um mesmo formato.
É necessário olhar em outro sentido, além das nossas janelas, além das vitrines, do confinamento dos carros, da absorção das prisões cibernéticas.
A vida acontece também nas ruas, nas calçadas, a céu aberto e podemos até aproveitar o momento para refletir enquanto caminhamos rumo ao nosso destino observando tudo o que nos cerca.
Nesse dia fiz uma simples mudança de rotina, observei as coisas básicas da vida e pensei em quão alienada eu me tornei, sucumbindo à comodidade sobre quatro rodas, perdendo oportunidades de ouvir meus próprios passos na calçada, trazendo-me de volta a sensação do quanto pertenço a esse contexto e nem me dou conta disso.
Por mais dias de pequenas alterações de hábitos! Acreditem, isso faz muita diferença para nossa qualidade de vida. É muito bom distrair-se vendo a vida acontecer à nossa volta!
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