Por outro lado, nem todo mundo consegue se desdobrar em mil. Vou mais além. Nem todos querem se desdobrar em mil. Vou mais além ainda. Nem todos acham que a vida é tão maravilhosa assim a ponto de querer compartilhá-la com um filho, o ser que mais amaremos. Muitas pessoas acham natural os filhos passarem por milhares de privações pois eles mesmos passaram. Muitas pessoas quase nada têm a oferecer em todos os sentidos e mesmo assim querem ter um filho. E quando me refiro a não ter quase nada, não falo apenas de recursos financeiros. O buraco fica bem mais embaixo.
Ok.Ok.Ok. Sabemos da existência do tal relógio biológico. Sabemos que mesmo com todos os avanços da Ciência, ter um filho biológico depois dos 35 anos complica um pouco. A partir dos 40, mais ainda. Por outro lado, deveríamos saber também que ter um filho não é prioridade na vida de muitas pessoas, tanto de homens como de mulheres. Por outro lado, também deveríamos saber que nem sempre uma pessoa mesmo querendo ter um filho biológico, apresenta condições para tal feito.
Fazer o filho é uma coisa relativamente simples, mesmo que implique em processos caros e estressantes como a inseminação artificial. O grande drama é educar este filho depois. É torná-lo a sua prioridade. É colocar todos os seus outros projetos, inclusive o de dormir 8 horas por noite em segundo plano, para alimentar, cuidar, ensinar, brincar, amar e preparar para um mundo, que convenhamos, não é nada fácil. Para um mundo que oferece cada vez menos e exige cada vez mais.
Em décadas anteriores era possível arranjar um emprego bom com uma pequena formação. Hoje em dia, as pessoas fazem especialização, mestrado, doutorado, estudam em outros países, aprendem línguas e mesmo assim precisam se conformar com salários risíveis em jornadas que extrapolam dez horas, vivendo em apartamentos minúsculos. Estúdio é eufemismo para quitinete.
Com os parcos recursos financeiros e as excessivas horas de trabalho, resta muito pouco de tempo e energia para os pais ficarem e curtirem seus filhos. Ok.Ok.Ok mais uma vez. Tem gente que consegue dar conta de trabalhar dez horas por dia, enfrentar 4 de trânsito, cuidar da casa e do filho sem querer chorar e bater a cabeça na parede pelo menos três vezes por dia. Admiro estas pessoas.
Por outro lado, nem todo mundo consegue se desdobrar em mil. Vou mais além. Nem todos querem se desdobrar em mil. Vou mais além ainda. Nem todos acham que a vida é tão maravilhosa assim a ponto de querer compartilhá-la com um filho, o ser que mais amaremos. Muitas pessoas acham natural os filhos passarem por milhares de privações pois eles mesmos passaram. Muitas pessoas quase nada têm a oferecer em todos os sentidos e mesmo assim querem ter um filho. E quando me refiro a não ter quase nada, não falo apenas de recursos financeiros. O buraco fica bem mais embaixo.
Falo de generosidade, tempo, disponibilidade afetiva, paciência inesgotável, resiliência para educar crianças que não se tornarão pequenos déspotas, transformando a vida de todos ao redor num inferno, incluindo a dos próprios pais. Infelizmente, o que mais vemos ultimamente são crianças extremamente mimadas e sem limites porque muitos pais confundem os conceitos de priorizar e amar os filhos com o conceito de que a criança pode fazer o que ela bem entende, mesmo que suas atitudes machuquem outras pessoas e a prejudiquem no futuro.
Falo de equilíbrio emocional. Filho não é antidepressivo para curar as tristezas da vida e preencher lacunas existenciais. Filho não é prêmio para ser exibido nem a garantia de uma velhice feliz e amparada. Muitos pais e avós extremamente dedicados morrem em asilos, no mais profundo abandono. Filho não é válvula de escape para uma vida sem grandes realizações. Não é garantia de êxito nem ferramenta para salvar relações falidas ou paliativo para sobreviver à falta do amor conjugal.
Muitos querem um filho para dar sentido à vida. Se uma vida não tem sentido nela mesma, não será um filho que dará. Filho é um ser humano com vontade própria, que vai atravessar muitos desertos na vida para obter algumas conquistas. Educar e amar um filho não é para todos e não há problema algum nisso. Ou não deveria ser. Posso ser idealista demais, mas me parece que o filho deve entrar apenas numa vida transbordante de amor, deve ser um convidado especial para compartilhar da existência alegre e amorosa dos pais. As pessoas já deveriam se sentir inteiras antes de terem filhos. O filho não deveria servir para preencher vazios e sim desfrutar da abundância afetiva dos progenitores.
Ter um filho para obter felicidade me soa egoísta, mas, mesmo assim, prefiro não julgar quem faz este tipo de escolha porque me parece que as pessoas realmente não fazem por mal. Me parece que elas não têm consciência do que estão fazendo. Acredito sinceramente que sejam bem-intencionadas. Prefiro não julgar também porque acredito que cada um deve ter o seu livre arbítrio respeitado. Realidade que não acontece àqueles que não são pais. Para a sociedade ser um pai negligente ou uma mãe inapta é preferível a não ser.
Sim, é muito mais complicado para uma mulher perto dos 40 ter um filho. Mas será que as pessoas se perguntam se elas realmente podem e querem ter um filho? As pessoas realmente se perguntam se elas não preferem adotar uma criança que já está no mundo sofrendo em vez de fazer outra? As pessoas fazem este tipo de pergunta para os homens? Tudo bem que homens podem ter filhos biológicos em qualquer idade. Mas será também que é legal para uma criança ter um pai 60 anos mais velho do que ela?
Até quando a sociedade vai acreditar que uma mulher para ser inteira precisa ter um filho biológico? Até quando a sociedade vai acreditar que filhos adotivos são menos filhos do que os biológicos? Até quando a sociedade vai acreditar que casais sem filhos não são uma família? Até quando as pessoas vão continuar tentando constranger e impor a sua forma de felicidade aos outros, sendo que muitas vezes nem elas mesmas sabem o que elas querem de verdade?