Talvez uma história não baseada em fatos reais, mas totalmente real, seja capaz de fazer alguém acreditar no extraordinário ou, no mínimo, em conspiração energética.
Todos os dias, desde quando se conhece por gente, uma jovem demonstrava ser demasiadamente conquistadora de sonhos. Não era alcançável a qualquer mortal. Era do tipo de mulher da liga das extraordinárias que fazem qualquer marmanjo tropeçar no próprio andar e, sem dúvida, o relato de uma passagem de sua vida é sempre de um acontecimento inesquecível.
Era fevereiro. E ela voltava de viagem. É costume dizer que um dos momentos mais felizes de quem viaja para fora do seu território é o retorno ao seu ninho.
Isso nos conduz a conclusão de que ela estava tão ansiosa para retornar para o seu lar doce lar, quanto ou mais do que na hora do embarque para o desconhecido. Mesmo com a soma de todos os casos fortuitos e de força maior, algo dentro dela dizia que o Universo conspirava ao seu favor do início ao fim daquela jornada.
A atmosfera na espera do aeroporto de Washington, DC para embarque lhe pareceu, inicialmente, de acontecimento corriqueiro e comum. Como sempre, os passageiros esperam, a tripulação chega, todos embarcam, o avião decola e segue os infinitos destinos programados. No entanto, daquela vez, a situação foi mais complexa e inesperada.
Quando sentou para aguardar a chamada do seat 2, notou um professor universitário, um senhor quarentão e um rapaz de 20 e poucos anos. Alguns minutos depois dos passageiros entregarem suas fichas de imigração, começou a convocação dos seats 1 e 2 pois a primeira classe, surpreendentemente, não pôde embarcar primeiro. Consequentemente, ela teve a graça de sentar no seu lugarzinho sem pressa e depositar seus bagulhos no bagageiro. Seu assento parecia que havia sido marcado pelas forças gravitacionais do cosmos: 30 G do voo UA 825.
Ela já estava acomodada, sentada, relaxada, quando o tal rapaz em torno dos 20 surgiu com sua feição ainda meio turva, óculos no rosto, e “descobre” que seu seat é ao seu lado: 30 F. Ele foi chegando devagarzinho, colocou sua mochila no bagageiro e, antes de sentar, deu um simples OI direcionado a sua mais nova companheira de longas horas de viagem.
Eis que o rapaz senta no exato momento em que a voz da aeromoça soa no ar avisando que o voo estaria “FULL” e que, portanto, todos deveriam conferir seus respectivos assentos para evitar discórdias e bofetadas. Então, naquele momento, pensou na opção quanto mais calor humano, melhor. Iniciaram um diálogo de perguntas e respostas curtas, nada além do sim ou não. Foi aí que, dona de uma peculiaridade toda especial para contornar a frieza, lançou um clichê memorável: Alguém já babou no seu ombro? Ele respondeu: Não. Então, ela replicou: Sempre tem uma primeira vez. Risadas mútuas. O silêncio posterior foi interrompido por um senhor desesperado com uma mala para encaixar no bagageiro.
O rapaz, imediatamente, se colocou à disposição para acomodar a mala do indivíduo. Foi aí que seu rosto se iluminou! Ele era aparentemente bom, demonstrava ser gentil, mais interessante que necessariamente bonito. Era sim, atraente de uma maneira própria que ela não conseguia explicar, mas não era nenhum Deus mitológico.
Depois dos cintos afivelados e do rumo direcionado, o diálogo reinicia e segue durante horas, até recordarem que o burocrático formulário da alfândega deveria ser preenchido. Foi aí que se deram conta que faltavam apenas duas horas para o retorno ao paraíso fiscal. Ela começou a se questionar se ele sentiria aquela mesma ansiedade involuntária? Às vezes tinha a impressão de que todos podiam ouvir seu coração pulsando alto quando ele a olhava. Em todo o momento sentia que a vibração entre eles era quase palpável.
O rapaz era um cidadão previsível, que aprendera desde pequeno a se comportar e não fugir das normas, sempre vivia um cotidiano sem sobressaltos, com uma rotina quase que esquizofrênica até aquele dia. Foi aí que então, delicadamente, com um gesto simples, mas repleto de significado para as habitantes do planeta Vênus, ele buscou tantos copos de água quantos foram necessários para saciar a sede da jovem. Ela, ainda um pouco trêmula, ergueu seu rosto para o rapaz e não teve chance de cogitar qualquer resistência…
O sorriso dos dois era aberto e convidativo ao sublime e misterioso questionamento do que fazer em seguida. Como se esquivar de uma sensação óbvia que denunciava os dois através dos olhos e do coração? Daí percebe-se que, é preciso persistência, percepção, e não ter medo de críticas se quer seguir seu coração. Mas a sociedade parece querer retirar de tudo a paixão, como se ela fosse um martírio para o equilíbrio do ser humano. No entanto, sem a paixão os nossos atos são frios, rotineiros e esquizofrênicos. A rotina transforma o homem em presa fácil das suas próprias limitações e da repetição de seus atos burocráticos, cotidianos e sem reflexão. Sem paixão, não há lembrança, não há memória. É preciso paixão para transformar as coisas.
Quando faltavam 20 minutos para o pouso da aeronave eles acordaram com um estranho brilho nos olhos, uma satisfação tal como um ensaio sobre a alegria. Eis que ela sentiu uma luz de paz invadir a janela do avião. Estaria ainda sonhando? Naquele instante, através da janela do avião, só enxergava o vazio cheio de possibilidades lá fora, e pensava nos acontecimentos do amanhã. O futuro já era previsível, pois a vida tem demonstrado, nos sensíveis destinos desencontrados da inter-retro-conexão do mundo, que o proceder e o significado do inesperado desfazem sentidos cartesianos contrariando as verdades imutáveis.
E, a primeira vez que temos um encontro mágico não compreendemos, mas percebemos que ali há um segredo, algo que precisamos desvendar a todo custo. E os segredos existem para serem guardados. Entretanto, uma vez revelados, adentram pelo universo e clamam por respostas.
Não tiraram fotos na insegurança de que se tornariam lembrança desbotada numa gaveta.
Naquele momento, quase como uma libertação, sentiram alguma coisa florescer. Assim, a vida sem dúvida seria, e foi diferente, pois seus caminhos imprevisíveis convergiram num voo, que entrelaçou os seus destinos num encontro luminoso, no céu que agora irá aonde quer que voem