“Não me peçam para eu parar de chorar! Não me digam que essa dor vai passar! Não me falem que a vida é linda! Desculpe-me…não quero lhe incomodar! Só quero poder desabafar!”
Este é o pedido de socorro de uma infinidade de pessoas que não encontram espaço para vivenciar o seu luto.
Somos fruto da cultura ocidental, esse comportamento herdado possibilitou nossa não educação, não estamos preparados para lidar com as perdas Ao longo de nosso crescimento, aprendemos a negação da morte, como uma estratégia de proteção. Assim, adiamos o nosso sofrimento, fingimos que “ela” não existe. “Não quero pensar nisso.” Temos a tendência de afastar a morte da vida, como se isso fosse possível!
A verdade é: quem ama não quer perder. Por amarmos tanto, encontramos dificuldades de lidar com a dor do outro, presenciar um familiar ou um amigo chorando nos machuca. Enxergamos o quanto somos limitados.
Naturalizamos a felicidade, ela, sim, é aceitável e será sempre bem-vinda!
Não compreendemos a dimensão do perder. Por que aquela pessoa precisa repetir tantas vezes a mesma lamentação? Em vez de acolher nosso ente querido, no processo tão complexo que é o luto, reprimimos sua fala, proferindo frases do tipo: “Agora chega, cansei de vê-lo chorando pelos cantos da casa, seque essas lágrimas e siga sua vida.”
Além da influência cultural, o que ocorre conosco para termos atitudes tão insensíveis? Será que a responsável é sensação de frustração? Uma possível resposta é a consciência total de que a vida, a qualquer momento, pode fugir do nosso controle.
No fundo, todos nós sabemos o quão frágil é nossa vida, vivemos numa incerteza total, fazemos planos, sonhamos, vivemos como se nunca fôssemos morrer.
Se alguém quiser falar da morte em vida, é impedido, é visto como um louco, como se a morte fosse alguma coisa muito abstrata. Loucos somos nós, quando reproduzirmos certas loucuras.
Compreensível, não é mesmo? Nossos pais não falavam conosco desse assunto. Até crescemos achando que eles possuíam uma espécie de superpoderes. Nossos pais jamais morreriam!
Recordo-me quando criança dos meus terrores noturnos, aqueles pesadelos horríveis que todos nós temos com nossos pais. Sonhar com a morte de pai e mãe nos remete ao desespero, tira-nos o chão. E quem nunca acordou chorando e soluçando, com esse tipo de sonho? Quando nos dávamos conta, que tudo não passou de um terrível pesadelo, o alívio era imediato e vinha acompanhado de um gostoso abraço da mãe ou do pai.
Quantos de nós, pais, para acalentar um filho, depois de um pesadelo, no calor das emoções, faz a promessa do tipo “eu nunca o deixarei, meu filho”. É permitido! Afinal, os pais sentem a obrigação de acalmar os filhos nessa hora.
Mas, no nosso íntimo, sabemos que não poderemos cumprir essa promessa e outras tantas. Essa é outra verdade absoluta, a morte é a única certeza que temos na vida!
Que dádiva querer ficar próximos dos nossos, poder sonhar e planejar o futuro ao lado de quem amamos! A nossa alma é alimentada pelos sonhos, queremos acreditar que tudo vai dar certo.
Então, da mesma forma que temos o direito de sonhar e nos alegrar, a pessoa enlutada, igualmente, possui o direito humano de ficar triste e vivenciar todas etapas do seu luto.
Quando o luto acontece?
O luto se inicia quando identificamos que perdemos algo para sempre, não tem mais volta. Uma das etapas mais cruéis que o luto traz é o silêncio da partida, esse despedaça a alma. “Eu não poderei mais ouvir sua voz, quem irá dizer que me ama? Necessidade de reconhecimento, não sou mais especial para alguém…”
Outro tipo de luto difícil em vida é a perda de um trabalho que gostávamos muito.
“O que será de mim sem esse trabalho?” Ou perder um relacionamento afetivo. “Não terei mais meu porto seguro.” “Não terei mais o amor dele.”
Não podemos esperar que um enlutado se levante radiante, arrume-se e saia para uma festa, pulando de alegria (salvo, se tenha sido vítima de alguma agressão, da pessoa que se foi). O processo esperado na fase do luto é de recolhimento, onde, nesse tempo, a pessoa possa reorganizar todos seus sentimentos.
De que forma podemos ajudar uma pessoa enlutada?
Para que o luto aconteça de forma saudável, as nossas ações precisam ser amáveis, dotadas de empatia e aceitação recíproca desse processo.
O luto é vivido por cada pessoa, de forma singular, é um caminho necessário a ser percorrido para sua total elaboração. Após, a pessoa renasce para a vida.
Existe um dizer popular que nos ensina o seguinte: “cada um ama à sua maneira.” Bem, com o luto é assim também! “Cada um sofre à sua maneira.” Para compreendermos, existem jeitos e tempos diferentes de se viver a dor. Fato é: cada pessoa decide qual maneira de atravessar essa experiência tão dolorosa, que faz parte da vida. Cada qual usará as ferramentas internas que possuem, no tempo que lhe for necessário!
Cabe a nós respeitarmos esse tempo que é do enlutado. Se enquanto humanos compreendemos que o luto não depende do meu tempo, seremos pessoas sensíveis, capazes de ajudar verdadeiramente a quem amamos.
Como posso prestar ajuda à pessoa enlutada?
Basta exercitar a paciência, ficar disponível para conversar e aceitar o silêncio, quando este se fizer necessário. Sinalize a ela que na sua casa e no círculo de amizade que ela pertence, todos estarão capacitados para acolhê-la, permitindo a expressão do seu sofrer, sem reprimi-la. “Eu estarei aqui, quando quiser falar e chorar, conte comigo.”
Crie um ambiente aconchegante onde a pessoa possa sentir a segurança carinhosa e ter a certeza de que, entre os seus, ela possui espaço garantido para chorar e repetir histórias e acontecimentos, sempre que seu espírito lhe pedir.
Porque cada tempo é único! Para determinada pessoa, a etapa do luto se organiza com menos de três meses, outras elaboram o luto com um ano, outras, ainda, precisarão de quatro anos ou mais.
Que tenhamos respeito pelo tempo! Não podemos cair em armadilhas e lançar frases negativas como: “olhe lá, o marido mal esfriou no caixão, ela já está com outro.”
Por acaso, a pessoa não possui o direito de reconstruir sua vida? Se a pessoa conseguiu se recuperar, num curto espaço de tempo, aos nossos olhos, que bom! Que seja feliz!
O luto pode virar adoecimento?
O luto é uma reação esperada, não pode ser caracterizado como um estado patológico, no entanto, pode se tornar uma depressão. Existe o risco do adoecimento, sim! A pessoa enlutada está vulnerável, pode se acidentar com maior facilidade, por permanecer a maior parte do tempo distraída. A dor emocional intensa tem o poder de baixar a imunidade e a pessoa fica predisposta para aquisição de enfermidades.
Renascendo para a vida!
Embora o trajeto do luto, para muitas pessoas, seja um percurso longo, a chegada ao pódio é compensadora! Para chegar ao pódio, a pessoa andou corajosamente a maratona inteira, reconstruindo todas suas emoções, uma a uma, de forma cuidadosa. Portanto, todas as feridas foram cicatrizadas, agora está num lugar seguro que é dentro de si mesma.
Nesse estágio, ela poderá seguir em frente com seu luto simbólico, ressignificado, guardando as lembranças e as memórias afetivas do ente querido, num cantinho especial que é o seu coração.
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