O avanço da idade, além de transparecer imperfeições, salientar alguns defeitos, acrescentar quilos, rugas e cabelos brancos, também tem a interessante particularidade de priorizar os acertos.
Anos atrás, no auge de minha meninice, eu gostava muito dos aniversários que comemorávamos todos os anos. Nós nos reuníamos em volta da mesa com: bexigas, doces, chapéus de papel colorido, velas, bolo; e claro, cantávamos o “Parabéns a você.” Eram momentos mágicos em que recebíamos ou fazíamos votos de felicidade e vida longa. Instantes em que o encontro anual com a data do nascimento era embalado por indispensável celebração e festividade. E tudo é sempre muito expressivo quando somos crianças, quando a inocência é solo fértil para as primeiras constatações e também interrogações.
Sempre quando o bolo era partido, ficávamos ansiosos e esperançosos pelo primeiro pedaço. Quem o receberia, seria privilegiado, especial e se sobressairia.
Era considerado o melhor amigo, o mais importante. Iria se destacar entre os outros. Para muitos, esse momento em que as luzes se acendiam, a música cessava e as palmas se acalmavam, era também de muita angústia. Porque conscientes ou não, qualquer um desejaria ser lembrado e aclamado, ser imprescindível e procurado. Ser escolhido, enfatizado e contemplado.
Com a distância da infância, com todos os anos que me enredaram até agora, penso que o primeiro pedaço de bolo, foi apenas um rascunho para todas as frustações que enfrentamos, que somos atingidos ferozmente e impiedosamente, quando nos vestimos de expectativas, todas as vezes que desejamos posições mais favoráveis, quando necessitamos de aprovação ou consideração dos outros.
Meu aniversário está se aproximando e como há anos, pouco me importo com presentes; o primeiro pedaço de bolo (metaforicamente e também não) é meu, e a essa altura do campeonato, de preferência o menor.
Com o tempo, aprendemos a comemorar em silêncio, festejar sem holofotes e a ser VIP para a gente mesmo. Porque aprendemos a não sufocar por reconhecimento, a valorizar nossos atributos sem precisar de bajulação, a reconhecer as falhas e perdoá-las. Principalmente evidenciamos as qualidades e esquecemos a necessidade de alguém que as enumere para terem relevância.
O avanço da idade, além de transparecer imperfeições, salientar alguns defeitos, acrescentar quilos, rugas e cabelos brancos, também tem a interessante particularidade de priorizar os acertos. É capaz de descartar algumas inutilidades, ressaltar as habilidades adquiridas e de aliviar o coração – sedento de grandes aclamações – com sua persuasão e enfática opção pela paz de espírito. Com o passar dos anos, a gente aprende que quase nunca seremos os primeiros, que poderemos ser deixados de lado algumas vezes, que nem sempre seremos procurados e protegidos. E tudo bem.
Aprendemos a apreciar nossa própria companhia e evolução, a viabilizar nossa tranquilidade e a acreditar que somos dignos de ser parabenizados, mesmo que ninguém nos diga.
Os anos nos mostram que somos passageiros em movimento, que somos transição em potencial. Ensinam que esperar muito de alguma ocasião é perda de tempo, que as datas queridas são aquelas em que a gente ganha leveza, suavidade; e assim, muitos anos de vida. Que estamos em festa quando aprendemos a dispensar banalidades, comemorar nossa profundidade, registrar e eternizar, exclusivamente, a felicidade. Que todo dia, é hora de sermos nossa escolha, de sermos especiais para nós mesmos. E que a vida, moldada pela aceitação e simplificada pela experiência, pode ser dia após dia, nosso melhor presente.
(Citado do texto VIP: do Inglês, very important person)
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