Texto inspirado por diversas histórias reais, escrito ao som “Sonata ao Luar” de Ludwig van Beethoven.
Viver uma vida sem ouvir seu coração e instintos naturais parece ser legal. Você leva tudo no automático.
Você faz tudo igual e se relaciona com as mesmas pessoas sempre. Frequenta os mesmos lugares. Faz as mesmas piadas. Pensa da mesma forma. Vê sempre as mesmas perspectivas. E vai assim, por anos, levando tudo de uma forma morna.
Paralelamente, sem muitas vezes perceber, cresce um vazio existencial dentro de você. Uma dor. Ela quase não é notada, afinal, você está sempre muito ocupado. São tantos os afazeres diários, compromissos, demandas sociais e profissionais, sem falar nas familiares. Então, você chega a acreditar que não tem bons motivos para sentir uma dor existencial. Aliás, você tem que ter gratidão por tudo que tem e conquistou até hoje.
Até que chega um momento no qual a vida começa a dar ultimatos. Vem uma bomba dolorosa (a perda de um emprego, o fim do casamento, a morte de alguém próximo, um problema de saúde). Isso dói! Dá muito medo.
Mas você toca o barco como sempre fez. Mantém-se no modo automático, tem que seguir em frente, não é?
Aí, passado um tempo, vem outra coisa (um gasto inesperado, um acidente, um tombo, um incêndio ou uma inundação). Aquilo dói de novo. Um lado seu quer sofrer terrivelmente, afinal, de novo uma desgraça aconteceu. Mas você não se permite. Não faz (racionalmente) sentido sofrer tanto só por uma coisa dessas. Tudo lá fora segue, você não pode ficar parado, olhando para dentro. Os outros não entenderiam, e o pior é que nem você mesmo se sente capaz de se entender ou manejar suas diversas emoções nesse momento. Melhor não prestar atenção no que sente… e seguir em frente.
Até que chega um terceiro grande problema (para os mais teimosos pode chegar a acontecer ainda mais de três). Um problema sério mesmo! Quando você achava que não poderia mais acontecer tragédias em sua vida, essa terceira vem e o derruba. Finalmente, você paralisa. Finalmente, você chegou ao momento de parar seu modo automático. Finalmente, você consegue fazer com que nada fora de você tenha importância alguma. Finalmente, a energia mágica da vida consegue encontrar uma brecha em sua “rotina dinâmica morna”, para conversar com você. Suas emoções parecem tomar conta de você, quase como demônios interiores.
Você se perguntará internamente: o que eu estou fazendo de errado? A dor que tem como base a dor da alma suprimida, finalmente, poderá ser ouvida e sentida. Sua própria inteligência superior finalmente conseguiu criar situações que o fizessem parar, olhar e perceber o que há dentro de você. Dores de origem na infância, dores de uma vida toda. Medos. Inseguranças. Iras reprimidas. Palavras não ditas. Raiva acumulada. Tudo virá de uma vez só à sua superfície. Parecem ser os piores dias da sua vida. Você acha que será incapaz de suportar tantas perdas, dores e frustrações. Tantos pensamentos e sentimentos difusos. Não entende mais nada que sempre entendeu. Não sente vontade de mais nada que sempre sentiu. E a cada vez que, com muito esforço, tentar fazer algo “como sempre fez”, não dará certo. Pensará que você ficou errado mesmo de vez. Chegará até pensar que nunca fez nada certo, e que momentos bons que viveu até então foram grandes ilusões de um sonho que parece estar bem distante.
Pois então, já parou de resistir? Aceitou seu lugar e vestiu as sandálias da humildade diante da vida e de sua própria força superior?
Nesse exato instante, quando você internamente grita e chora: eu desisto! Eu abro mão de absolutamente tudo. Eu não quero mais saber de nada e nem de ninguém. Inclusive de mim mesmo. Eu me rendo à minha dor. Rendo-me às perdas, ao mundo destruído fora e dentro de mim. É nesse exato instante, após uma dor absolutamente terrível e uma entrega inteira, que você sentirá uma paz absoluta. Uma paz que toma conta de você por inteiro. Um relaxamento tão intenso que você não consegue mais pensar e nem chorar. Você está vazio! Voltou a ser nada.
A partir desse momento em diante na sua vida, nos próximos anos a seguir, você aprenderá a ser alguém que jamais pensou ser. Porque a partir desse momento você se conectou com sua alma e decidiu seguir seu propósito, seus aprendizados, honrando uma força maior e alinhando-se a ela dentro de você. Por algum tempo viverá um filme em branco e preto, mas a cada cor que entrar no filme da sua nova vida, você a perceberá de forma vibrante e intensa.
Você será capaz de coisas que jamais imaginou. Você conviverá com pessoas que jamais antes se permitiria. Sentir-se-á aberto e livre para se relacionar de forma profunda com os outros. A natureza, com toda sabedoria o acolherá e trará novas e excitantes experiências para sua vida.
Cada vento, cada nuvem, cada passo, cada comida, cada experiência, tudo será vivido por uma versão mais observadora e atenta, que nem você sabia que existia aí dentro.
Tudo, absolutamente tudo, será ressignificado e muito mais prazeroso, belo e divertido. Afinal, o verdadeiro prazer, apenas pode ser reverenciado por alguém que já sentiu grande dor.
Até que passado um certo tempo, você olhará para trás e se dará conta do tamanho da transformação que viveu. As experiências passadas perderão sua importância; você apenas sentirá gratidão a elas porque, finalmente, graças às mesmas, você se tornou capaz de ouvir seu coração e sua própria verdade. Graças aos tantos desastres você, finalmente, se tornou capaz de se respeitar, de viver de maneira leve, afetuosa consigo mesmo e com os demais, humilde e pela primeira vez em sua vida, feliz de dentro para fora.
Aí sim, você se dará conta de como se encheu de si mesmo. Como que por tanto tempo, você esteve longe de ser quem realmente era.
A cada instante você se sentirá mais completo e realizado porque, finalmente, você descobre que é, por natureza, um ser de potencialidade infinita.
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