Tem um trecho do “Diário de Anne Frank” que diz o seguinte: “Tenho medo de que as pessoas que me conhecem descubram que tenho outro lado, um lado melhor e mais bonito. Tenho medo de zombarem de mim, de pensarem que sou ridícula e sentimental, e de não me levarem a sério.”
Essas palavras me fazem pensar sobre o comportamento que assumimos para encontrarmos um refúgio supostamente seguro, livre de olhares desaprovadores e de palavras impensadas.
Anne Frank, em sua breve e memorável vida, confrontava-se com as chagas de sua personalidade, em meados do ano de 1944, por volta dos 15 anos de idade.
Mesmo nos dias de hoje, tantas vezes nos nivelamos e nos fechamos para agradar, com receio de transparecer alguma raridade já que o mundo pinta tanto ódio e tanta dor.
Quem vê poesia nas esquinas também corre contra o relógio, conhece – e com propriedade – deveres, desavenças e tristezas. Quem cantarola aos quatro cantos também se cala perante contrariedades, aceita o preto e branco de dias impiedosos e também respira fundo em derradeiras noites escuras.
Tem uma música do Frejat: “Amor pra recomeçar”, que eu gosto muito: “Quando você ficar triste que seja por um dia. E não o ano inteiro.”
Anne, ainda garota, no auge da guerra, no decurso de sua adolescência conturbada, guardava para si um lado frágil, inseguro e intimamente amoroso e frugal. A despeito do que julgava ser considerado pelos demais no anexo em que viveu, ela se escondia para não revelar sua vulnerabilidade. Escrevia para suturar seus cortes e apaziguar suas dúvidas.
Numa outra parte da música, acrescenta: “Eu te desejo não parar tão cedo pois toda idade tem prazer e medo. E com os que erram feio e bastante, que você consiga ser tolerante”, diz além das palavras, permite-nos repousar nas lisuras em semelhança, lembra que não precisamos abandonar nossas estranhezas, que o tempo tem suas controvérsias e que ninguém é obrigado a gostar de ninguém. Que não existe nada que traga maior placidez, quanto desligar, não pensar.
É pensando demais que nos perdemos. É se ajustando sem razão, que se perde a paz, é seguindo o fluxo que perdemos o poder de quebra-mar.
Tão mais fácil deixar, sentir, sem precisar provar. Tão melhor respirar, sorrir e continuar. Porque é preciso amar para viver; sem ansiar por compensação, sem buscar prêmios, admiração ou restituição. Apenas amar. Às vezes, gente; outras, propósitos, histórias ou lugares. Às vezes, força; outras, música, versos ou bordões.
Mesmo que seja impossível ter uma vida sempre primorosa, pomposa e feliz o tempo todo, certamente enfrentá-la com rosas perfumadas e letras em forma de bálsamo, que a deixam muito mais atraente.
Quem dera se os problemas todos fossem dissolvidos como areia do mar, se todas as imprecisões fossem apagadas com partituras melódicas, se um borrão no papel trouxesse um tom de recomeço. Se não podemos com o que é infinitamente mais poderoso, que seja ao menos, regado a frequências ordenadas, e a promessas menos torturantes; de um jeito mais prosaico, com menos ferrugem e com mais fulgor.
“Desejo que você tenha a quem amar e quando estiver bem cansado, ainda exista amor pra recomeçar, pra recomeçar, pra recomeçar…”
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