A inconstância de trabalho e moradia, e os cachorros.
Todo mundo diz: “Se você não tivesse cachorros, seria mais fácil, poderia ir pra cá ou pra lá, ficar ali ou aqui, tantas soluções.
Ou “O problema são seus cachorros, senão você poderia trabalhar embarcada, atolada, mergulhada, pendurada, destrambelhada…”
Não, o problema sou eu então, que quero os cachorros. Sou eu que quero um quintal, um jardim, um canto.
As pessoas têm dificuldade de entender isso.
Isso é um problema?
Um problema… mental? Disciplinar, psicofísico, estrutural, comportamental?
Não, não vou abandonar meus queridos, meus companheiros de alegria e tristeza, de tantas mudanças, de tanto amor.
Inúmeras foram as situações difíceis, separações, incertezas, falta de dinheiro, de espaço.
Mas minha família de quatro patas, que me enche de amor toda vez quando eu chego, e sente antes de mim sempre que alguém não tem boas intenções, não posso abandonar.
A intuição de quatro patas, o faro aguçado, a antecipação dos sinais, a audição potente dos ruídos, o cheiro do medo emanando dos outros seres, e a aproximação do perigo.
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O cheiro de pelo, o entendimento dos sons do que eu digo, do tom de como digo.
Minha extensão auditiva e protetora, meu alerta antecipado de perigo e ameaças diversas, meu lado animal.
É uma segurança, eu moro sozinha, moro no Brasil, país com jeito estranho de tratar suas mulheres.
Se tiver marido, filhos, ou cães, tem mais segurança.
Mas sozinha, em casa com quintal e jardim? Um risco.
Aí vem aquele que diz “porque você não mora mais perto?”
Perto de que?
Estou perto de cachoeiras, praias despoluídas, selvagens e desertas, mata atlântica, peixe fresco, hortas orgânicas, não preciso usar o carro, a não ser para longas distâncias ou quando tenho que carregar peso.
Ando de bicicleta a maior parte do tempo, não fico engarrafada no trânsito.
Tenho um balanço em uma mangueira na minha casa, minha água vem da cachoeira, minha casa fica aberta… estou longe do que mesmo?
Porque vou abrir mão do espaço, da terra, das roupas no varal com cheiro de sol, das plantas, dos cachorros que me ajudam a sentir quem eu sou?
Porque devo abrir mão da alegria de ter esse adicional de sensibilidade, companhia, afeto, segurança e diversão garantida?
Não posso abandonar, vou me tornar vulnerável, cega, surda e sem sentir quilômetros antes o cheiro do vento, não sou nada.
Sou apenas um ser humano.
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