“Nem tanto ao céu, nem tanto a terra”. Melhor seria sermos capazes de ter a competência de conciliar a liberdade com o compartilhar.
Andei em uma fase em que sentia necessidade de exercer o direito a um pouco de egoísmo. Fazer coisas que interessassem somente a mim mesma, não pensar na família, filhos, marido, etc.
Aquela fase em que uma dose certa de solidão está ali no copo, pronta para ser tragada.
Tomar um café sozinha, passear no shopping, até encontrar velhos amigos que não via há muito tempo, sem me preocupar se alguém teria que apelar para o pão com mortadela, por falta de jantar.
Fazer a unha no meio da semana, desviar do caminho de volta para casa, não para passar no supermercado, mas para saborear um capuccino naquela cafeteria que acabou de inaugurar.
Até mesmo dentro de casa, dar-me o direito de fechar-me no quarto e ficar bem quietinha, torcendo para ninguém vir incomodar.
E assim comecei a dar uns passinhos neste sentido.
Engraçado que, com isso, descobri uma estreita semelhança entre mim e os meus gatos. Além muitas outras, claro que já conhecia.
Sempre que chego em casa, eles estão me esperando à porta e, ao abri-la, eles saem para o corredor do andar.
Curiosos, mas ressabiados, assustados, dão uns passinhos, sempre atentos aos ruídos que vêm da escada, e ao menor movimento ameaçador (uma luz que acende, barulho de passos, vozes, latidos) eles voltam para dentro de casa.
Assim eu fiquei, pezinho por pezinho fora de casa, desacompanhada, mas desconfortável e não tem nada a ver com culpa ou coisa parecida; é o ponto do bolo que se perde… e ele murcha, queima, não cresce.
De repente, parece que fazer as coisas sozinha não tem mais toda aquela graça que eu imaginei que, após tanto tempo sem fazê las, teria.
Na verdade, tudo é questão de adaptação, processo totalmente dominado pelo ser humano.
Lembro que passei um longo período da vida sem um companheiro, por exemplo, e sendo de poucas amizades, adapte-mei quanto possível à vida de descasada. Não me incomodava fazer tudo sozinha.
Ia e vinha com uma super independência digna de “Pagus”. Nada de satisfações a dar e sem ninguém com quem dividir o bom ou o ruim, sentia sozinha as dores e delícias de ser quem eu era.
Mas a vida muda e a necessidade intrínseca do ser humano de compartilhar, ela reivindica.
E lá fui eu readaptar à vida a dois, agora com filho crescido, sem precisar muito de mim.
Veio o apego e, por mais que não queiramos admitir, sempre se instala alguma dependenciazinha consensual, sobretudo, depois de um longo período em que a carência dava as caras, vez em quando.
Então, rendemo-nos às companhias constantes, passamos a não andar mais desacompanhados. Deixamos de dar a devida atenção à necessária individualidade, que se autoencerra em uma doce prisão.
Dá e recebe atenção, compartilha o bom e o ruim e, se distancia da independência das “Pagus” e até gosta da sensação de ter proteção.
Mas, já dizia o meu pai que a prática dos 8 ou 80 não é boa medida.
Aí, a gente surta!
Precisa respirar, sentir que é um ser individual e reivindica a liberdade da qual, em algum momento, abriu mão por livre e espontânea vontade.
Aí, faz-se como o gato: dá uns passinhos lá fora, mas não sente exatamente prazer na liberdade. Aparece certa solidão.
Sem a proteção de quem lhe segura a mão, sente um certo medo, como o sentem os gatinhos e, então, volta-se correndo para casa, buscando a segurança quase menosprezada.
E é assim que é!
Até os felinos, tidos como símbolo de independência e liberdade, hesitam diante dos receios.
Na conta do meu pai, o ponto de equilíbrio entre 8 e 80 seria o 36, mas penso que nem ele, mesmo com a sua sabedoria da velhice, conseguiria, alguma vez, acertar esse exato resultado.
“Nem tanto ao céu, nem tanto a terra”. Melhor seria sermos capazes de ter a competência de conciliar a liberdade com o compartilhar.
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