O jovem espancado por dois policiais militares na terça-feira (8), em José Bonifácio (SP), relatou que não consegue comer direito devido às feridas na boca e que perdeu o emprego após o incidente. As agressões foram capturadas em vídeo por uma testemunha.
Dejair Paulino Silva, de 23 anos, disse ao UOL que também foi ameaçado de morte e agredido pelos policiais antes do momento registrado no vídeo.
O tenente Iuri Filipe dos Santos e o sargento Marcelo Vitor Silva o agrediram em outro local quando ele se recusou a desbloquear seu celular.
Dejair contou que trabalha em um laranjal na cidade e que foi abordado pela polícia logo após uma entrevista de emprego.
Ele sugeriu que os agentes verificassem um documento que comprovava seu vínculo empregatício, mas eles recusaram, suspeitando que Dejair fosse um dos três criminosos procurados por roubo em uma fazenda na região.
No boletim de ocorrência, os policiais afirmaram que Dejair era suspeito de roubo e reagiu à abordagem, tentando fugir duas vezes. Um inquérito policial foi aberto para investigar a conduta dos agentes, que foram afastados das operações.
Dejair explicou que, ao se recusar a desbloquear seu celular, levou dois chutes nas pernas. Temendo ser agredido novamente, ele fugiu para um matagal.
Pegaram meu celular, falaram para eu desbloquear. Eu não fiz isso. Depois falaram para eu abrir as pernas. Saí correndo com medo, porque ele estava me agredindo. Eu já tinha sido agredido diz Dejair Paulino Silva
Testemunho de jovem descreve momento em que policial sacou uma arma e ordenou que parasse de correr.
A partir desse ponto, as agressões se intensificaram, culminando com um dos agentes conduzindo-o até uma calçada em frente à residência onde o incidente foi registrado em vídeo. Na gravação, o policial é ouvido dizendo:
Você não morreu por dó, não te matei de dó mostra o vídeo
Me apontaram uma arma e me pegaram perto do mato…me agrediram de novo. Tentaram tacar o roubo para cima de mim, mandando eu assumir, e falei que não ia assumir relata Dejair Paulino Silva
Logo em seguida, um segundo policial surge e também agride o jovem. Os golpes resultaram em hematomas por todo o corpo e na boca, conforme relatado por Dejair.
A perna está toda roxa. Minha boca está toda estourada. Não consigo nem comer afirma Dejair Paulino Silva
Segundo Dejair, não houve assistência imediata. Os policiais o teriam deixado detido dentro da viatura enquanto foram até sua casa. Somente depois o levaram ao hospital.
O advogado de Dejair, Ruy Arruda, informou ao UOL que a suposta vítima do roubo não o identificou — os criminosos estavam usando capuzes.
Além disso, a defesa argumenta que os policiais não possuíam evidências para acusar o jovem do crime, apesar de afirmarem na delegacia que ele era suspeito.
Dejair é o perfil que a polícia aborda sempre. Rapaz pobre, de periferia, camisa de time de futebol, negro. Eles o espancaram, o levaram ao hospital e nem deixaram que ele fosse atendido direito. Na delegacia, tentaram jogar o roubo nele. Os indivíduos [criminosos] estavam só com os olhos de fora. Tentaram justificar as agressões com essa suspeita da fazenda afirma Ruy Arruda, advogado
Imagens das câmeras de segurança da fazenda revelam que Dejair possuía características semelhantes a um dos assaltantes, afirmam os agentes. No relato policial, é mencionado que Dejair empreendeu fuga.
Dejair refuta qualquer participação no delito. Ele possui antecedentes por posse de drogas para uso pessoal.
Investigação sobre conduta policial com o jovem
Os policiais foram temporariamente retirados de suas funções, conforme comunicado da SSP. Segundo a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, uma investigação policial militar foi iniciada contra os PMs (veja nota abaixo).
A Polícia Civil de José Bonifácio também abriu um inquérito para examinar o ocorrido. O incidente foi oficialmente registrado como abuso de poder, agressão física e resistência.
O UOL verificou que depoimentos de testemunhas foram colhidos, tanto sobre os ataques quanto sobre o assalto à fazenda, durante o qual um indivíduo foi rendido pelos criminosos.
A defesa de Dejair argumentou que os agentes representam uma ameaça para ele e para as testemunhas, sugerindo que a prisão temporária dos policiais seria pertinente.
A intimidação prejudica o processo, precisamos refletir sobre isso disse
A Polícia Militar ressalta que não compactua com a conduta dos policiais envolvidos no caso, os quais foram imediatamente afastados do serviço operacional por atuarem em desacordo com os protocolos operacionais da PM, bem como os valores e princípios da instituição. Os fatos são rigorosamente investigados por meio de um Inquérito Policial Militar (IPM). A corregedoria da PM está à disposição para formalizar e apurar a denúncia citada pela reportagem Secretaria de Segurança Pública de São Paulo