Numa Segunda-feira à noite estou eu passando tempo no Facebook e vejo a seguinte publicação:
“Minha namorada é livre:
Esse final de semana eu estava em Salvador lançando meu livro novo e chega uma mensagem de um amigo no whatsapp: ‘Enquanto você está trabalhando, sua namorada está aqui bebendo na balada com uma amiga. Você deixa sua namorada sair de saia para a balada sozinha com uma amiga?’
Depois do evento eu respondi meu amigo:
Fala velho, bão? Infelizmente o que vou dizer era para ser óbvio mas pelo visto não é. Ela é minha namorada. Ela não é minha terra, minha posse, minha casa na praia ou minha airfryer. Ela é minha namorada. Ela não tem que me pedir permissão para sair com uma amiga pra balada ou qualquer outro lugar. Ela é minha namorada. Ela não tem que me pedir permissão para viver a vida dela. Ela que escolhe se sai de saia, vestido, short ou com decote. Ela não tem que me pedir permissão para beber, dançar e se divertir. Ela é livre. Parece óbvio o que vou dizer mas ninguém tem que pedir permissão para viver as coisas que estão dentro do seu coração. Eu espero que minha namorada continue vivendo com emoção. Que ela tenha colocado uma roupa e escutado do seu espelho: Você é perfeita do seu jeito. Eu desejo que ela esteja dançando a sua música favorita e cantando na pista com um sorriso bobo de menina. Eu desejo que ela esteja assim, de verdade. Porque eu acho que é isso que um namorado deve desejar a sua namorada: a felicidade.”
Em seguida milhares de comentários contra o rapaz, dizendo como ele deveria conduzir o relacionamento; que a mulher deve ser submissa ao homem e que isso inclusive consta na bíblia. Enfim, imagine toda a sorte de comentários sobre o relacionamento do rapaz! Eles certamente estão lá.
Minha primeira pergunta ao ler a publicação aí acima foi: “O que o amigo da onça tem com o fato de a namorada estar na balada enquanto o namorado está trabalhando?”; a segunda foi: “E por que ele acha que o namorado deveria permitir alguma coisa?”. Como o próprio namorado já respondeu a segunda questão, vamos voltar à primeira: O que o amigo da onça tem com o fato de a namorada estar na balada enquanto o namorado está trabalhando?; e mais: Em que o relacionamento deste rapaz interessa a qualquer pessoa?; Em que interessa a vida deste rapaz a qualquer pessoa?.
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Por que é tão irresistível dar pitacos na vida alheia? Por que não conseguimos nos conter e falamos tudo o que achamos que temos direito, ainda que seja a respeito da vida do outro?
Tenho minhas suspeitas de que seja uma doença que apelidei de Síndrome do dever de cuidar da vida alheia.
Recentemente fiz um curso espetacular onde aprendi que por trás de qualquer ação, qualquer mesmo, existe sempre uma intenção positiva. Em geral, quando emitimos uma opinião, ela é baseada em nossos conhecimentos e experiências. Esperamos sempre ajudar o outro (intenção positiva) com o que conhecemos e experimentamos da vida. Quando alguém próximo de nós (vamos acreditar que até mesmo alguém distante) dá algum palpite em algum aspecto de nossa vida está tentando nos ajudar, transmitindo o que conhece e viveu numa situação parecida e pode ser aplicado ao que estamos vivendo.
Acredito que este desejo de ajudar o próximo com base em nossos conhecimentos e experiências de vida tem nos feito acreditar que somos todos experts em todo tipo de assunto. Que temos Saber suficiente para opinar em tudo. Não importa o que. Não importa sobre quem. É um Saber tão inquietante que não nos permite calar. Temos que exaltar ao mundo o que Sabemos sobre tudo e sobre todos!
Lemos, ouvimos ou ficamos sabendo qualquer coisa sobre a vida de alguém, qualquer pessoa, não interessa se a conhecemos ou nunca a vimos mais gorda. Imediatamente formamos uma opinião a respeito da informação que acabamos de receber e pronto! No mesmo instante surge a necessidade incontrolável de externar o saber! De dizer ao mundo como o indivíduo deve agir diante da situação que acabamos de tomar conhecimento (segundo o saber que possuímos)!
A vida do indivíduo? Seus valores e crenças? Sua personalidade? Nada disso tem importância! Só o que importa é o que EU estou dizendo! Afinal, EU sei o que digo! EU tenho conhecimento e experiência!
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Estamos o tempo inteiro dizendo ao outro como viver a própria vida! E me pergunto de onde sai tanto tempo para cuidar da vida alheia.
Imediatamente me vem a resposta. Arranjamos tempo para tudo o que consideramos prioridade e, se é um dever cuidar da vida do próximo, é claro que sempre terei tempo para isso!
Queremos mudar o time que a pessoa torce; o candidato que a pessoa apoia e pretende votar; as crenças religiosas; a comida favorita; o estilo de roupa; queremos convencê-la a gostar das mesmas coisas que nós; queremos mudar o tipo de filme; de série; queremos que ela pare de assistir a um determinado programa ou emissora de TV. Incomoda a orientação sexual; incomoda a cor da pele; incomoda como a pessoa se veste. Queremos moldar tudo no outro de acordo com nossas próprias opiniões. E aí encontramo-nos no direito de dizer a qualquer pessoa que viva diferente do que acreditamos ser o certo como ela deve viver.
Vamos acordar! Vamos aquietar essa Síndrome! Não temos o direito, muito menos o dever de dizer a ninguém como viver a própria vida! Não nos diz respeito como o outro vive sua vida!
Não me importa o que você faz com sua vida! Não me importa o relacionamento do rapaz aí de cima! Me incomodo com violência doméstica; me incomodo com a fome; com a miséria; com a falta de acesso a saúde; com a corrupção; com a homofobia; com o racismo; na verdade me incomodo com qualquer tipo de discriminação. Ainda assim, faço o maior esforço para manter minha Síndrome do dever de cuidar da vida alheia sob controle e tento não emitir opiniões quando elas não são solicitadas.
A vida do outro não me diz respeito!
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