“Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam”. 1 Corintios 10-23-24.
Deixei de jantar, umas duas dezenas de anos atrás.
Ao ver meu sono sendo interrompido por pesadelos e acordar com o estômago nauseado, pesado e, recusando-se a comer, no correr do dia e do dia seguinte, fui ao médico. Conto nos dedos as vezes que fui, por livre e espontânea vontade. Confesso: só vou quando a coisa está feia.
Abençoado médico que, nessa época distante, salvou-me daquela sensação de doença, fazendo-me ver que nosso alimento noturno não é benéfico… Nosso metabolismo noturno não é o mesmo. Ele muda.
Como o mundo se aquieta, tomado de preguiça e buscando descanso, nosso corpo age da mesma forma, desligando o maquinário com suas engrenagens aceleradas. Nosso corpo veículo coloca o motor em ponto morto. Todas as peças interligadas, que nos compõem, estão esgotadas e pedem sono.
Fiz o que meu organismo pediu, numa época em que eu nem sabia o que era colesterol. Tampouco o médico deveria saber, pois o nome esquisito não foi mencionado… E não havia também essa corrida atrás de regime alimentar, ou malhar até o corpo ficar esgotado para gastar as gordurinhas. Via, nos exercícios físicos, o sofrido cansaço inerente aos atletas. Eu já me sentia meio atleta, correndo para lá e para cá, tentando dar conta dos compromissos, do trabalho e dos filhos.
Não gosto de nenhuma espécie de agressão ao meu físico. Faca de médico, só se for de extrema necessidade para salvar minha vida que amo tanto. Nada de botox ou massas estranhas, sob minha pele, para aumentar isso ou diminuir aquilo, Remédios, só em extrema necessidade.
Faço ao meu corpo o que ele gosta e com o qual se sente bem. Dançar ou caminhar é um deles.
Além disso, a natureza foi boa comigo e, em vez de excesso de gordurinhas, sempre me faltaram uns quilinhos no peso. Nunca acima, sempre abaixo. Regalava-me, comendo à vontade, e não engordava um grama.
Saibam as gordinhas que não são só elas que ouvem piadinhas desagradáveis. As magrinhas também! Irritavam-me alguns comentários, como: “não engorda de ruindade”. Eu não era ruim, nunca fui, mas batia-me o ímpeto de ser, dando uma respostinha à altura da pessoa que cantarolava a piadinha sem graça, sobre meu apetite saudável. .
Bons tempos da juventude, em que a gente pode comer de tudo, e nada faz mal. Mal mesmo era ficar sem comer.
Quando chega uma certa idade — e já estou dentro dela — as gordurinhas indesejáveis aparecem, mesmo você comendo pouco, moderadamente, ou quase nada. É quando a natureza avisa que chegou nosso tempo de comer como um passarinho, ou como um coelho, pois passei a devorar alface e cenouras, que eu tanto detestava. É quando a natureza avisa que terminou o prazo de validade de sua bondade, e agora estamos por nossa conta.
É quando chega a difícil decisão de gritar “NÃO!” ao que o estômago pede, e a boca saliva vergonhosamente.
Hoje, apenas “almojanto”, como dizem por aí, ao se referirem à única refeição diária. E, à noite, só coisas leves. Mas, em festas, fica difícil evitar os pratos e o cheiro convidativo.
Tempos atrás, fui a um evento, e não resisti aos bolinhos de bacalhau.
Poucos. Ainda assim, foi a gota. Dia seguinte, de manhãzinha: chazinho de hortelã e a preocupação da família.
A sensação é de ressaca. Nunca bebi, mas já vi os efeitos, em quem bebeu muito.
Eu não comi muito, mesmo assim, aquele pouco noturno foi suficiente para que minhas preciosas engrenagens gritassem seu repúdio.
O efeito colateral pareceu vir em forma de vingança: náusea, fraqueza e palidez, desconstruindo a alegria e o pique da véspera.
Lembro-me de minha avó, indo às festas, levando uma matula, que ela chamava de “comida para velho ou doente”. E ela sempre foi magrinha e lépida, acordando com uma eletricidade invejável.
Bem sei que jamais terei coragem de levar uma matula — com biscoitinhos de água e sal, ou um pedaço de bolo de tapioca — para uma festa. A saída é enganar meu estômago, inundando-o de água mineral, ou suco natural.
Tristemente, evito a mesa do pecado da gula.
É uma tortura, sim, eu sei… mas não se compara com um sono, longo, profundo e tranquilo! Quando acordamos, nosso maquinário humano estará de vento em popa, pronto para começar o dia.
Sigo a receita ao pé da letra: “Tomar o café da manhã como um rei; almoçar como um príncipe; e jantar como um mendigo”.
O poeta Juvenal, 509 a.C, já sabia disso, quando citou a frase latina “mens sana in corpore sano”.
O corpo precisa da mente e, a mente, do corpo. Sem essa sintonia, não há prazer em viver. Não há prazer em nenhum canto, fora, ou dentro de si.
Resistência ao que nos faz mal é qualidade dos fortes.
Encerro com uma citação bíblica que uso em várias áreas da minha vida: “Todas as coisas são lícitas, mas nem todas convêm; todas são lícitas, mas nem todas edificam”. 1 Corintios 10-23-24.
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