Aos vinte anos eu ouvi a minha professora de Psicologia do Excepcional dizer: “a verdade é que ninguém sonha em ter um filho excepcional e por isso o nosso trabalho começa quando tanto nós quanto os pais tiverem esta consciência”.
Não. Ninguém sonha com nada que não seja idealização pura quando se espera um bebê e, mesmo que sejamos todos tão diferentes e tão imperfeitos, o que se sonha é em “ter um filho perfeito”.
As deficiências existem e podem ser físicas, mentais ou sensoriais. Ser deficiente significa que uma destas funções é parcial ou totalmente deficitária.
A paralimpíada é o maior evento esportivo que reúne pessoas com deficiências de todas as categorias e talvez seja a mais bela ilustração de que somos uma espécie completamente alimentada por algo chamado motivação. Não há limites para a motivação humana nem tampouco barreiras intransponíveis aos atletas que um dia foram ou se tornaram os “não sonhados” filhos de seus pais.
Se por um lado não se sonha em ter um filho excepcional, por outro são infinitos os caminhos para a sublimação e superação do que em princípio parecia uma catástrofe. As deficiências mostram o melhor lado do ser humano: o de refazer-se e de reescrever sua história e seu destino.
A aceitação, a vontade, o apoio, a busca pela superação, a dedicação de indivíduo e de sua família, o respaldo profissional, o otimismo, a alegria e principalmente o amor fazem com que a deficiência seja uma característica e não um defeito.
O seres vivos, talvez todos eles, sejam munidos de uma capacidade de compensação de outras funções quando uma lhe é deficitária. Vemos cadeirantes com extrema força nos membros superiores, deficientes auditivos com visão aguçada com extrema destreza para leitura labial e vemos também deficientes intelectuais com bastante sensibilidade artística.
Somos um emaranhado de feixes neuronais que carregam uma alma que mal conhecemos.
Somos completamente ignorantes sobre nossa origem, sobre a razão de nossa existência e sobre a nossa real função neste tempo e espaço.
O que sabemos é que alguns, por alguma razão, vêm ao mundo com “meia fase” de uma ou outra função e que diante disso a história que vai ser escrita pode ser tão linda quanto à de um atleta paralímpico que esfrega na nossa cara o quão pequenos somos ali, sentados no nosso sofá, assintindo-o superar limites que a nós não foram impostos.
Eu sou, sem sombra de dúvida, uma das pessoas que mais se emociona ao assistir a uma paralimpíada ou a qualquer apresentação na qual participam pessoas que superaram suas deficiências porque eu sou uma delas.
Eu sou dessas pessoas que fez os pais se amedrontarem e temer por meu futuro. Sou desses bebezinhos que jogam por terra as idealizações das mães, que deixa os pais temerosos porque o mundo é mais do que preconceituoso – o mundo é cruel. Eu sou dessas crianças que recebeu dos médicos a sentença de que, com apenas trinta por cento de visão eu precisaria de “cuidados especiais”.
Sou portadora de nistagmo, antes atribuído á fatores congênitos e posteriormente descoberto ter sido por trauma decorrente do uso de fórceps no momento do meu parto. Nestes quarenta e dois anos eu ouvi algumas vezes que não poderia fazer isso ou aquilo e desobedeci a todas estas ordens. Tive pais que não desistiram de mim e que foram muito sabiamente orientados e me deixarem levar uma vida normal e dar espaço para que o meu organismo se adaptasse e, por mais que muitas vezes eu visse o terror e o medo nos olhos deles querendo me frear e me superproteger, eu ignorei e fiz de mim mesma o meu único termômetro.
Eu, e todos os deficientes sabemos até onde podemos ir e somos especialistas em superar obstáculos, por isso, se puderem assistam às paralimpíadas com mais entusiasmo do que assistiram às olimpíadas porque o caminho percorrido por cada atleta paralímpico para chegar ao pódio é infinitamente maior do que o dos atletas olímpicos.
Aos pais dos “filhos não desejados” eu peço: não desistam da gente, não podemos ir longe!