Nesse mundo agitado em que estamos nos acostumando a viver (que pena que a gente se acostuma com tudo!), está virando hábito comer qualquer coisa na rua, bem rapidinho, pra não perder tempo. E aí, se a gente mal tem tempo para comer, imagina se vai dar tempo de cozinhar a comida da gente?!
E com essa pressa toda de chegar a lugar nenhum, a gente foi deixando pra trás uma das atividades cotidianas mais terapêuticas e amorosas: cozinhar.
Sim! Cozinhar não se limita a jogar os ingredientes na panela e mexer até engrossar. Isso é coisa de receita e viver não tem receita. Viver é se transformar com as minúcias do dia a dia, assim como a batata vira purê e o leite vira queijo. Então, cozinhar envolve muito mais do que mexer com a colher.
Cozinhar exige amar e estar bem consigo mesmo. Ou a comida queima, passa do ponto ou fica crua de mais. Cozinhar é testar o próprio equilíbrio. É arte para quem quer encontrar seu eu, para quem precisa do silêncio pra se (re)conhecer, pra se (re)conectar. É coisa meio transcendental mesmo.
E não estou falando dos grandes chefs de cozinha, não. Eles são artistas, sem dúvida! E, por sorte, destino, estudos, vocação, talento, dom e sei lá mais o quê, fazem dessa terapia meio de vida. Estou falando é de pessoas que cozinham em casa, que fazem almocinho de domingo para a família, que passam o fim de semana no fogão para ter as refeições da semana inteira.
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Estou falando do marido que prepara uma janta apetitosa com a mesa enfeitada de pétalas de flores pra mulher, que vai chegar mais tarde do emprego. Do garoto que prepara aquele sanduíche de dois andares pra namorada e esconde dentro uma aliança de compromisso. Da mãe que prepara uma sopinha encorpada e revigorante para o filho que está com febre.
Estou me referindo àquela turma que se esquece dos problemas quando começa a picar cebola e que nem se lembra do resto do mundo quando está temperando o feijão. Estou falando da meninada que coloca o coração inteiro no recheio do bolo pra festa de despedida da amiga que vai mudar de colégio. É que pra cozinhar tem que ter paixão, tem que sentir a alma com fome. Não importa se vai ser risoto ao funghi ou aquele mexidão com tudo o que sobrou na geladeira. Importa mesmo é que a gente sinta os cheiros com o nariz fungando bem forte, aperte os legumes, derreta o chocolate, enrole o brigadeiro, pique os morangos, lave a alface. Cozinhar envolve amor e instinto.
É saber respeitar a receita, mas é ter em mente que as melhores medidas são aquelas “de olho”. É se lembrar da cozinha da avó, do jeitinho que ela enrolava a massa do pão, do modo como ela untava a forma e assava o bolo. Cozinhar envolve reparar nos detalhes, recorrer à memória. Envolve sentir cheiros de infância…
É que cozinhar envolve se emocionar um pouquinho e até o gosto salgado das lágrimas é coisa importante na arte da cozinha e dos temperos. E depois, então, que a comida está pronta, que a mesa está posta, que o doce está esperando sua hora de entrar em cena, chega a hora da paixão ser compartilhada.
Chega a hora do som dos talheres anunciando família reunida, risadas à mesa, histórias de vida, casa cheia e travessas fumegantes com cheiro de paz. Se fosse pra resumir em poucas palavras o que é cozinhar, bastaria dizer que é deixar o coração falar por meio das mãos.
Ana Helena Lopes