Enquanto se vive, se sonha.
Tenho saudade dos meus sonhos, daqueles que eu acreditava serem reais, daqueles que foram quase reais, daqueles que a realidade me tomou feito arrastão que passa e a gente nem sente, levando-os embora de mim.
Tenho dor tamanha pela saudade de tudo que já passou e do que não passou, do que não era, do que não foi, do que não veio, do que nunca existiu.
Tenho saudade das minhas ilusões, de quando conseguia me manter envolta pelo mecanismo de defesa chamado negação, que impermeabilizava o meu eu desta realidade nua, crua – ou melhor – podre.
Tenho vontade de acordar do pesadelo que é este chamado “mundo real”, como se alguém me dissesse que Papai Noel existe sim, tanto quanto as fadas, os meninos que nunca crescem, as princesas que congelam e os brinquedos que criam vida.
Tenho vontade de construir uma máquina do tempo que viaje por alguma dimensão onde era real o que eu sentia e o que eu ouvia. Tudo deve estar preso em algum lugar e eu quero voltar para lá, como quem acorda de um sonho bom e fecha os olhos de novo para tentar voltar a sonhar.
Tenho vontade daqueles dias, daquelas músicas, daqueles aromas, daquelas sensações.
Quem sabe se eu voltar eu busco tudo aquilo e trago para cá.
Não, eu não tenho para onde voltar, aquilo não era real.
Pior do que a dor da saudade é a dor da esperança que insiste em nos tirar do chão e em nos embutir nas costas estas asas que querem nos fazer voar de novo mesmo sabendo que de novo podemos cair.
Que bagunça é esta que existe dentro do ser humano?
Que carrega saudade até do que não existiu?
Que consegue criar sonhos e se relacionar com eles tal qual se relaciona obrigatoriamente com a realidade fria, sórdida e cruel que este mundo exibe todos os dias nos olhares, nos bolsos e no parlamento?
Como pode esta espécie ser tão cercada de desgraças, de egoísmo, de dor e ainda querer (e conseguir) sonhar? Sonhar com momentos de amor, de magia, de êxtase. Sonhar com a infância inocente, com a adolescência descomprometida, com a juventude liberta, com o tempo da gente que se consumou.
Como pode esta espécie acreditar que os castelos que se constroem no ar são todos tão reais quanto os muros cinzentos que exibem palavras de ordem e desordem? Criar amor, ou amores cujos finais são arrebatadoramente felizes? Produzir e dirigir cenas dentro da mente nas quais se é protagonista de sucesso e alegria junto de personagens que na realidade sequer sabem de sua existência?
Quem capacidade é esta que temos de sonhar?
Que mania é esta de ter esperança?
Que força é esta que nos faz amar?
Que saudade é esta do que nunca existiu?
Enquanto o mundo desaba sobre nossas cabeças, nós – esta complexa espécie – insistimos em ver flores nos muros, em sonhar com o que desejamos e em ter saudade do que tudo aquilo poderia ter sido, do que achávamos que era e que nunca existiu: a não ser dentro de nós.