Às vésperas do recente lançamento do meu primeiro livro, fui tomado por um medo que, por muito pouco, não me paralisou a ponto de eu desistir de tudo.
As sombras de uma infância e adolescência marcadas por situações vexatórias me atormentavam, trazendo à baila a velha resistência a situações que, negativa ou positivamente, me colocassem em evidência.
Assim, muito embora costume torcer o nariz à utilização das situações traumáticas da infância como justificativa para o comportamento adulto, de repente, eu me vi ali, às voltas com lembranças paralisantes de um tempo muito remoto.
E, como se não bastasse a comum ansiedade pelo lançamento do livro unida ao meu habitual pânico de ser o centro das atenções, havia ainda o pavor diante de algo a que eu mesmo me havia proposto: fazer uma apresentação falando poesias autorais e de outros poetas que me haviam inspirado ao longo dessa jornada até o primeiro livro.
Se por um lado eu julgava como sem fundamento o meu medo, dado que, por um número considerável de vezes, eu havia feito apresentações do tipo, por outro me amedrontava a ciência de que, dessa vez, o evento era meu, sendo, portanto, minha a escolha do que fazer ou não. Uma vez que o pretendido recital não constava em nenhuma das artes de divulgação, ninguém sentiria falta do mesmo caso eu optasse por não fazê-lo.
Havia, no entanto, algo que não me cabia ignorar, uma espécie de compromisso tácito com a poesia – tão ignorada em sua beleza, força e utilidade –, com os que se fizessem presentes no evento e, sobretudo, comigo mesmo.
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Ora, se encarar de frente as dificuldades se mostra como a mais eficaz alternativa – se não a única – para atravessá-las, por que eu deixaria passar tal oportunidade, dando à vida brechas para futuras situações que me obrigassem a lidar com as minhas questões de maneira ainda mais árdua? Se tal aprendizado já me era um fato, porque não me utilizar sabiamente do meu livre-arbítrio, ainda que mais cômodo fosse deixar tudo para lá e me ocupar apenas do trivial para o evento?
Assim, tomei como um mantra as palavras do meu terapeuta – “Está com medo? Vai com medo mesmo” –, sempre atento à importância de não confundir coragem com autoviolência, discernimento possível apenas a partir de uma profunda honestidade comigo mesmo.
E, como o Universo precisa apenas de um movimento nosso para que a mágica aconteça, eis que vi crescer a minha disposição para a apresentação à medida que a movimentação de pessoas – parentes, amigos e desconhecidos – tomava conta do foyer da livraria.
Nesse sentido, após reencontros, abraços, fotos e os primeiros autógrafos de toda a minha vida, vi-me no interior do auditório, falando, pela primeira vez, para uma plateia diversificada, apesar de pequena.
E então, aberta a apresentação com um dos meus poemas autorais prediletos, eu vi que estava acontecendo. O auditório não fora tomado por gargalhadas, eu não perdi a voz, a III Guerra não estourou e tampouco Javé resolveu arrasar a Terra com um segundo dilúvio.
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Eu consegui e pude, portanto, seguir com a apresentação, alternando-me entre Vinícius de Moraes, Caio Fernando Abreu, Elisa Lucinda e, naturalmente, poemas meus, muitos dos quais eu jamais sonhara falar na presença de pessoas como meus pais ou minha supervisora, por exemplo, dado o tanto da minha intimidade que estava expresso nos mesmos.
O mais intrigante de tudo é que, muito embora a ansiedade, o medo de falhar e todos os velhos receios marcarem presença ao longo de toda a apresentação, em momento algum eles me fizeram titubear, passando desapercebidos pela plateia e até por mim mesmo, quando pude me assistir nos vídeos feitos por alguns dos presentes.
O segredo? Bom, em meio ao turbilhão de emoções no qual me vi antes e durante o evento, é provável que eu não estivesse lá muito atento à dinâmica da minha mente, mas, voltando o olhar para aqueles dias, consigo perceber uma ação muito simples – e agora de comprovada eficácia – de minha parte: aceitar a minha condição de sujeito tímido e, como tal, fazer (ou não) a apresentação em vez de maldizer tal condição idealizando um Alex que, desenvolto e extrovertido, realizasse aquela tarefa que me era tão cara.
Pode parecer clichê, eu sei, mas fato é que dedicamos a maior parte de nossa vida lutando contra aquilo que julgamos ser defeitos, o que me parece comum no contexto de uma sociedade que vive a nos impor padrões de comportamento e afins. Em meio a essa pressão para que tenhamos a aparência ora exaltada, a conduta adequada e até mesmo para que sejamos felizes (!), não é de surpreender que, ao identificarmos em nós características destoantes dos modelos em voga, as tomemos como defeitos a serem eliminados, criando em nós uma angustiada urgência de nos tornarmos alguém diferente de quem somos como única saída para a tão sonhada felicidade.
E o digo por experiência própria, por me aventurar pela psicoterapia, Thetahealing, meditação e afins com o objetivo primeiro de, num passe de mágica, me desfazer da timidez, da baixa autoestima e da melancolia.
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É claro que foi uma busca frustrada, por mais que a mesma me haja trazido incontáveis ganhos. O grande aprendizado, porém, só veio com experiências como a do lançamento do meu livro. Aprendizado esse que consistiu na percepção de que não me era possível deixar de ser tímido para, então, encarar situações desafiadoras como aquela, mas era possível – e necessário – encarar tais situações como forma de vencer a timidez. Não no sentido de extingui-la, mas, sim, de lidar com ela, de utilizá-la a meu favor. E é justamente esse o caminho que se me apresenta como alternativa àquelas características que costumamos chamar de defeitos. No caso específico da timidez, por exemplo, o enfrentamento de determinadas situações me parece uma resposta mais saudável que o acuamento. Trata-se de agir a partir dela em lugar de deixar de agir por causa dela.
Nada demais me aconteceria, caso eu optasse por não recitar poesias durante o lançamento do meu livro, o que, por sinal, seria uma escolha bem mais cômoda. Mas e se a timidez for a minha companheira ao longo da vida, o que parece bem provável?
O comodismo será sempre a minha resposta? Estarei eu preparado diante de uma situação na qual eu não tenha escolha senão o enfrentamento? Se tenho ciência de que a vida há de me surpreender com situações assim, não seria mais sábio valer-me dos pequenos desafios de agora como um estágio, uma preparação para desafios maiores que a vida decerto colocará diante de mim?
Eu não estou falando de sair por aí enfrentando tudo, no que chamo atenção para o que eu já disse há alguns parágrafos sobre violência contra si mesmo. Cada um tem e sabe os seus limites, de modo que não é porque um texto, um amigo ou um terapeuta falou que a gente vai sair por aí se jogando nas experiências.
A decisão, precedida pela autoanálise, caberá sempre a nós mesmos, únicos responsáveis por discriminar entre os verdadeiros limites e a autossabotagem. A proposta aqui, portanto, é a de que abandonemos a ideia de que uma versão melhor de nós nos espera em algum lugar, cabendo-nos combater as nossas idiossincrasias para, finalmente, encontrá-la. Se pudermos melhorar, ótimo!, mas sem nos esquecermos de que somos muito bons como damos conta de ser.
As terapias – das convencionais às alternativas – aí estão não para nos apagar, começando do zero uma versão melhor nossa. Pelo contrário, elas existem para nos ajudar a passar por esse processo que é a vida com um pouco mais de aceitação, amorosidade e compaixão por nós mesmos. Você conhece alguma borboleta que, no passado, haja negado a sua condição de lagarta?
Hoje eu aceito a minha timidez, bem como o fato de que, se ela me acompanhou ao longo de 32 anos, é provável que sigamos juntos ainda por anos a fio.
Assim, não mais sonho com um Alex extrovertido como aqueles amigos que eu tanto invejei, limitando-me a avaliar o que esse Alex que eu sou consegue fazer, até onde consegue ir, apesar da timidez. O trabalho, portanto, não é combatê-la, mas não me deixar enganar por ela, que sempre tentará me ofuscar a visão, reduzindo as minhas possibilidades e o meu campo de ação.
Hoje – mesmo tímido, com propensão à depressão e com a autoestima oscilando como que numa montanha-russa – eu sei que posso muito mais do que ontem.
Ainda não sou e nem pretendo ser aquilo que me impuseram como o ideal, mas tento ser o melhor que posso, dentro dos meus limites.
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