Como a vida, música só é música se tem acorde. Se há encontro. Vivendo em conformidade com nossas buscas, na frequência de nossos hertz, sem desafinar pelos desprazeres e períodos dissonantes.
Lá pelos anos 2002 e 2003, meu então pequeno filho, cantarolava a música: “Nada sei”, da banda Kid Abelha, com toda sua graça, em sua vozinha estridente de criança, chegando a ser emocionante até pelo toque de desentonação infantil. Entrávamos no carro e ele pedia para ouvir. Eram curtos minutos em que seguíamos cantando juntos, uma música que retratava uma fase, uma época agora distante. Um momento em que selávamos uma memória que ficaria para sempre em nossas vidas.
Talvez por pura coincidência – ao relembrar percebo, mesmo sem acreditar nisso -, a canção caía bem ao momento em que me encontrava, quando corria atrás de meus objetivos, sem saber ao certo onde iria parar.
“Nada sei dessa vida. Vivo sem saber. Nunca soube, nada saberei. Sigo sem saber. Que lugar me pertence. Que eu possa abandonar. Que lugar me contém. Que possa me parar.”
Algum tempo já se passou do cenário do carro com meu filho no banco de trás. Ainda ouvimos muita música e algumas horas arriscamos um vocal para animar a vida. Nem sempre os dias foram de melodia, alguns foram arduamente silenciosos e, algumas vezes, de ruídos ensurdecedores. O tempo vem com enredos perecíveis, com notas se alternando, calhando em som – ora grave, ora agudo. Assim como as histórias, a imprevisibilidade dos acontecimentos, a ordem dos fatos e o desenrolar de tudo que nos cerca.
Não estivemos todo tempo com vozes claras, muitas vezes engolimos o choro, noutras resolvemos escancarar nossa rouquidão, mesmo com a inocência das cifras e falta de firmeza ao nos expressar, mas seguimos sempre acreditando em novos refrãos, em estrofes reorganizadas que poderiam ser bem mais que acasos ou casos mal resolvidos.
Porque, como a vida, música só é música se tem acorde, se há encontro. Se a gente, apesar das angústias e graças às cantaroladas, ainda consegue seguir com harmonia pelo caminho.
Vivendo em conformidade com nossas buscas, na frequência de nossos hertz, sem desafinar pelos desprazeres e períodos dissonantes.
E sempre nesse ritmo, vezes descompassado, outras com bons arranjos, que escrevemos nossa letra. Nem sempre fácil. Muitas vezes densa, porém orquestrada entre sorrisos, ganhos, abraços e significados. Com as composições mais delicadas, com os melhores hits sempre enfatizados, deixando que a música embalada pelos anos, tocasse sem pressa e no volume adequado.
E hoje, então, meu filho pulou para o banco do motorista, está aprendendo a conduzir por suas próprias estradas as suas canções. Com a intenção de alcançar o tom que se renova um dia após o outro. Espero que nunca se esqueça do repertório que cantávamos juntos. Eu sigo confiante de que ele tenha o mesmo desejo – que declaramos em coro tempos atrás. De ouvir além das notas, sentir além das ondas e de cantar apesar dos desarranjos.
“Sou errada, sou errante. Sempre na estrada. Sempre distante. Vou errando enquanto o tempo me deixar.” Kid Abelha
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